terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Ainda há vida, Margarida.



Podia ser desespero. Podia ser só vontade de dividir a pipoca com alguém durante um filme do Fassbinder. Podia ser desejo, tesão, eros e coisa e tal. Podia ser a intenção de dar o braço a torcer. De dar o braço pra servir de cobertor em noites assim, frias. Podia não ser nada. Podia ser tudo. Podia ser viagem pra Floripa. Podia ser viagem na maionese. O que não podia era o silêncio.

Ela olhou de lado com aqueles olhinhos de vem, me pega, me pega com gosto, mas me pega com carinho pra não me machucar, deu um gole pesado no copo de cerveja e sorriu. Queria saber sobre mim, quantas carteiras de cigarro eu fumo por dia, quantos poemas eu já fiz, saudade eu tenho de quê e por quê que eu não me declarava logo. Afinal de contas, já passava das onze e ela tinha que ir.

Ela cruzou as pernas como quem diz vem e abre, descobre, desdobre e faça o que quiser de mim, mas vá com calma que tem gente olhando e eu sou uma menina de respeito, deu um trago no seu filtro vermelho e chorou. Contou-me da sua vida, da vida alheia e dos maus tratos às focas na antártida. Quis saber dos meus segredos, dos meus medos e eu consenti enquanto passeava os olhos nos seus olhos, peitos e coxas.

A gente se alimentou, hibernou, comeu de novo, fez silêncio, assoviou o Bolero de Ravel umas três vezes cada um, contou piada, riu, chorou, lembrou, pediu uma pizza e foi assistir televisão. Às três da madrugada ela tomou juízo e um táxi e sumiu. Deixou a louça lavada na pia, a metade da calcinha e um bilhetinho que dizia assim:

- Não volto mais. Não que eu não queira. Não que eu não possa. Não que eu não gostei. Só não volto mais. Não quero mais pular a janela do décimo quinto andar cada vez que encontrar você. Chega de sofrer e dar trabalho aos bombeiros. Chega de me ausentar de mim enquanto estou dentro disso aí que você vive. Adeus pra sempre, Margarida.

Pelo menos não o silêncio.

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