quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Acontece.

De que é feito o amor? - Pensou ele. Gestos, fotos, viagens? Limpar molho de tomate no canto da boca das pessoas também pode entrar no ról desse sentimento astuto e covarde? Não sei - continuou em seus pensamentos. Afinal de contas, tudo isso deveria fazer sentido. Por mais idiota que seja, deve ter uma explicação. Ninguém entra na vida de alguém por acaso. Batido isso, né? Mas é fato. O sofá manchado de vinho tá de prova.

Era seis horas da tarde de um sábado comum, desses que a gente encontra todo final de semana e nada demais acontece, tinha passado o dia no sítio de um amigo bebendo, reclamando e falando sobre mulheres, portanto, quando voltou, a intenção era nada mais, nada menos, que terminar a noite tomando cerveja e jogando Deus da Guerra. Sem grandes planos. Ele, uma caixinha de Artáctica, o vídeo game e um amigo. Mas como? Como acreditar na paz, na elevação do espírito, na passagem de fase sem fatores externos sem entrar na guerra, na perturbação da alma e no memory card quebrado?

O telefone toca. Insiste. Não quer atender. Ela não, ela não, ela não.

- Alô.
-E aí, Kiko, beleza?
-Tranquilo. E com você.
-Ah, bem também. Vamos tomar umas hoje?

( Hesitação comedida )

-Uai, bora. Pode ser aqui no meu apartamento?
-Beleza. Posso levar umas amigas?
-Não sendo muitas, tudo bem.
-E que horas você vem nos buscar?
-Ah, sei lá. Vou tomar banho e te ligo.

Finais de semana conspiram contra a moral e os bons costumes, tenho certeza disso. O telefone toca novamente. Ele está no chuveiro. A música irritante do celular continua. Outra não, outra não, outra não.

-Alô.
-Oi, Kiko. Como é que cê tá?
-Ah, eu tô levando. O que você manda?
-Kiko, tô com umas amigas aqui em casa e todas nós queremos sair. A gente pode ir aí pro seu apê tomar um vinho?

( Fudeu. Fudeu. Fudeu. O que era só uma noite de sábado, virou um conflito de interesses. )

-Tranquilo. Pode vir.
-Não. Vem buscar a gente aqui.
-Tá. Que horas?
-Pode vir.
-Beleza. Daqui dez minutos eu tô aí.

Puta merda. Duas. Várias amigas. Não vai caber todo mundo. Meu coração é pequeno. Deixa fluir. O vinho tá gelando. Duas viagens. Um grupo, depois o outro. O primeiro já foi. Todas acomodadas. O DVD do Capital Inicial toca primeiros erros. Eu já perdi a conta dos meus. Vou buscar as outras.

O portão se abre. Sorrisos lindos. Todas arrumadas pra matar. Aparece você. Ofusca. Vem ao encontro, diz muito prazer, procura um lugar no carro. A voz some. Não há mais palavras. Tudo bem. O vinho disfarça.

No apartamento tudo corre bem, todas conversam, todas se divertem. Eu na sacada fumo desenfreadamente. Alguém quer mais vinho? Ela senta ao meu lado. Pede um trago. Puxa assunto. Ideias, cadê vocês? A conversa se estende. O vinho acaba. Vou buscar mais. Você vem comigo?

A noite acaba. Os dias passam. Ela não sai da cabeça. Outros encontros. O amor próprio se esvai. Ela conhece a família dele. Tudo estremece. Ele anda a esmo pensando de que é feito o amor.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Uma noite no fim de fevereiro.



Olhei pela janela mais uma vez. Lá fora a noite escura anuncia qualquer indecência pelos becos vazios e um vento macio volta a te trazer aqui. Não sei, já faz algum tempo que não te vejo, talvez uma semana ou mais, acendo um cigarro. As estrelas cadentes iluminam ao longe a estrada que leva a Brasília. A fumaça vai se perdendo.

Não sei se a perdi, não sei. Estive esperando o momento certo, estive perto até. Ela e os segredos dela. Quanto amor, menina, eu sinto por você. Amor pra dentro, é fato. Amor que nasceu pra dentro, que ali ficou. Chico toca ao fundo. Parece que vai ficar mesmo assim. Não interessa. Cadê você? O cinzeiro ta cheio.

A rua convida. Encontro os amigos. Garçom, uma Antarctica, por favor. De repente a conversa cai em você. Não sei responder. Não sei nem mesmo se quero falar sobre isso. Silêncio. Me diz que isso passa, que passaram as outras, que eu vou ficar bem. A cerveja chegou, a palavra se afoga. Outro cigarro. Aqui não me cai bem. Aqui tem sorrisos demais. Fecha a conta que eu vou nessa.

O carro é mais rápido que os meus pensamentos que agora viajam pela estreita passarela que dá pra sua casa. Me nego. Não quero ir te perturbar as duas da manhã. Que se foda. Atirei a primeira que vi na sua janela. Você não saiu. Você nem sentiu. Aperto a campainha. Ninguém aparece. Te ligo, grito, xingo, chuto o portão. Nada. Você precisa saber que não dá mais pra ficar por aí, zanzando sem te ter por perto. Você precisa saber que eu já descobri seus segredos e, de boa, não interessa, eu não ligo. Você precisa saber que não tem nada de complicado em gostar de alguém. Você sai na sacada. Eu espero com um sorriso meio bêbado no canto da boca. Lá vem ela.

Olha, fica comigo. Vamos lá pra casa. Eu amo você. A gente abre aquele chileno que você gosta. Mas não saia de mim. Não vá desaparecer dos meus desejos logo agora que eu decidi que é com você que eu quero casar, ter filhos e um cachorrinho chamado Bob. Fica e me abraça e deixa ser eterno que o só por hoje não me atrai. Meu tesão é pelo pra sempre.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A folia do amor pra sempre.



Ora, é carnaval, vista sua máscara, vem cair na folia, vem disfarçar sua tristeza, seu desemprego e as contas pra pagar. Ora, que melhor hora a não ser agora pra brincar de ser feliz? Põe de molho essa saudade, vem pro baile que o pessoal já se pôs a dançar. A marchinha é meio demodê mas é o que temos pra hoje. Vem, se solta, dê, pelo menos dessa vez, o braço a torcer.
E lá se foi a Columbina, cheia de lantejoulas, a passear pelo salão. Encontrou afeto, atenção e um beijo no rosto. Se sentiu brasileira, mulher de corpo inteiro, pronta pra se doar. Santa, puta, menina e mulher. Toda-toda, de pés descalços, ela encontrou naquele tumulto a paz que tanto precisava. Dedicou-se aos abraços demorados, aos pulinhos frenéticos e aos olê,olê, olás.
No outro canto da festa, no outro canto da história, Pierrot se divertia com seus copos longos, suas cuba-libres, seus encantos. Tudo era fantasia, insanidade e, talvez, solidão. De beijos em beijos ele chegava no bar e pedia outra dose de inquietude, das havaianas às vampiras ele engolia na saliva a quantidade certa de incerteza que ele precisava pra uma noite de terça feira.
Mas, como sabe todo bom folião, o carnaval tem seu fim e a quarta de cinzas é foda. De um lado só as garrafas vazias, do outro, um travesseiro sobrando, dentro, a falta, fora, a maquiagem escorrendo. Ela sentiu saudade dele. Ele sentiu saudade dela.
Eram como se fossem irmãos. Eram como se não fossem nada. Eram, no mínimo, tudo. Eram só ele e ela, de ressaca, bebendo água e com vergonha de ligar. Eram só dois palhaços, dois piratas, dois marinheiros, dois sei lá o quê. Eram o amor que se escondia por debaixo da máscara veneziana. Eram dois idiotas. Eram duas pessoas que se permitiam pular o carnaval sem grandes arrependimentos ou afetações.
Ora, se tem hora pra ser feliz é agora. Vem, pega o carro e vem bater aqui na minha porta. Tira essa fantasia de quatro dias e vem ser feliz o ano inteiro. Se joga, deixe o enredo do eterno tocar a sua escola. Vem que esse sentimento não tem recuo.
Lá fora o porta bandeira carrega uma garrafa na mão e canta: eu tenho tanta alegria adiada, abafada, quem dera gritar... Tô me guardando pra quando o carnaval chegar.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Arte da conquista.



Eu sou um cara comum, disse ele. Um cara que faz tudo o que as pessoas normais fazem. Ou não. Acordo pela manhã ainda cansado e vou trabalhar. Volto pra almoçar correndo e novamente saio. Sou um cara que é fã da noite, que bebe, que sonha. Um cara que quando dá, lê Veríssimo, Caio Fernando Abreu, Martha Medeiros, Gabito Nunes e todo esse pessoal que ficou famoso com o Facebook. Ah, não posso esquecer - continuou com cara de apressado - amo e de vez em quando sou amado. Já vi meu nome várias vezes rabiscado em diários e rabisquei tantos outros no meu. Enfim, torço pro Botafogo, sou de Touro e escrevo poesia. Nada mais comum pr'um cara de vinte poucos anos.
Escora o corpo na parede, vira o rosto pro lado e adianta: disseram por aí, eu também, confesso, que na maioria das vezes em que me perdi, que me lancei ao nada do amor, eu sempre procurei me segurar em algum galho que me mantivesse à margem, pronto pra sair a qualquer momento que quisesse. E assim eu fui, e assim tentei ser com você que não me deixou saída, que me fez pular de cabeça nesse rio torto. Chega mais perto, passa as mãos no cabelo dela, respira fundo e se deixa levar. Olha, na vida, desde criança eu fui atrás das coisas que eu queria, do meu dinheiro pra fazer minhas loucuras, das festas mais interessantes, das garotas mais bonitas e, engraçado, deu tudo certo. Foi divertido. Mas passou.
Hoje - emenda - eu queria ir pra margem, parar de nadar contra a corrente, te esquecer. Fazer como sempre fiz: tentar - conseguir - perder a graça. Não dá. Eu olho pra você e dá vontade de gritar pro mundo inteiro ouvir que eu te quero, que eu te amo, que a gente foi feito um pro outro e não adianta alguém vir e dizer que eu vou te deixar de lado algum dia, que uma hora isso passa. Não dá. Tá claro. Eu te amo demais.
Então ele abaixou a cabeça, ela não. E enquanto ele olhava profundamente o chão ela passou os dedos pelo seu rosto, puxou sua face de encontro a dela e o beijou. Ali eles foram pra sempre.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A gente se vê.



Aproveita e leva embora suas roupas, seus discos e seus livros, mas vá logo. Pegue tudo o que ainda for seu e saia. Não quero nada, pra mim a solidão me basta e essa garrafa de vinho está de bom tamanho. Hoje o dia nasceu quadrado e muito me faz bem olhar esse horizonte torto. Portanto, me deixa aqui quieto. Só não esqueça de deixar as chaves na samambaia se a sua intenção for não voltar nunca mais.
O liquidificador fica. A estante fica. As histórias também. Não quero continuar aqui e ter a impressão de que mudei pra um lugar maior. Ou leva. De boa. Não quero discutir esse tipo de coisa logo agora, pode ser? Apenas saia, com suas caixas de momentos inesquecíveis, com as suas lágrimas que secarão e seu coração de ouro. Vale muito mas é duro. É pedra.
Qualquer dia a gente se vê, de repente até se pega e vai dormir em algum motel de beira de estrada. Mas agora saia, tem um táxi te esperando lá embaixo.
Se isso tudo fosse antes eu te pediria incondicionalmente pra ficar, pra esquecer essa bobagem e te diria que é uma fase, que passará. Mas como? Como se a vida me ensinou nesses anos de constantes batalhas com as coisas mais banais que nada fica, nada permanece, nada se sustenta? Como se eu não soubesse, como se eu não visse que amanhã ou depois a gente se machucaria de novo brigando por pasta de dente. Vai. Me deixa aqui.
Vai, mas vai sabendo que aqui as coisas ainda ficarão muito tempo fora do lugar. Vai sabendo que eu vou morrer de saudade, que eu vou sofrer pra caralho. Vai sabendo que eu te amo. Vai sabendo que a coisa que eu mais queria é que você continuasse aqui tomando sorvete no sofá enquanto assiste televisão. Vai e não volta. Por favor. Que amor assim eu não quero.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Tão simples.



Respirar bem fundo, beijar a testa, abraçar sem medo e sumir. Gritar pra dentro, acelerar o que der e nunca mais olhar pra trás. Eu só penso nisso, pode acreditar. E eu posso fazer, sordidamente e sem pestanejar.
Não queria te dizer isso, não me cai bem, mas você pediu. Dane-se, tenho muito pra falar e se essa história me fizer mal, depois eu tomo um Engov.
Eu gosto de você pra caralho, da sua cara de sono, do seu jeito de rir das coisas mais sem graça do mundo, da sua altura, do seu signo e seu significado. Se pra você isso tem cheiro de alguma coisa qualquer, não me interessa. O fato é que te quis desde o primeiro momento que te vi, de vestido branco e sorriso trépido.
Só que agora, caríssima amiga, depois de você ter escrito em letras garrafais nas entrelinhas do seu diário que não há nada que eu possa fazer, que pra você é tudo muito óbvio, objetivo e claro, por aqui eu fico. Sem mais, sem duvidar.
Na vida, eu sempre consegui o que quis e não seria diferente agora. O lance é que eu não quero mais.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A lógica de tudo.



É o devir, o vir a ser, o ímpeto, o impulso, o motor primeiro, faísca que acende o sol e move o mundo. É logus, é aletheia, são dias de Aleximandro ao virar a esquina. É você, signo e significante, lingüística barata, semiótica do olhar. É amor aqui, em Trinidad e Tobago e no Japão. Somos nós. Somos nós e está tudo perdido.
Quando te vi pela primeira vez, você ainda menina, desfilando sua idiossincrasia e seus cabelos castanhos, eu disse – é mais uma. Você sorriu um sorriso de criança envergonhada e desapareceu. Eros age. O infinito conspira e bam! Lá se passaram não sei quantos anos. Você na sua. Eu na minha. Dialética dos corpos. O frio na barriga que nem Aristótoles conseguiu definir em sua poética. Mas se perdeu.
Semana passada eu ouvi por aí que você vai se casar, que preferiu a matemática suicida ao mais lindo poema de Iéssin. Eu enchi a cara de vodka, a casa de amigos e também morri. Morri pra dentro junto com a sua psicologia torta. Morri de Wundt à Sacks, de Jung à obra roubada de Schopenhauer por Freud. Do nada, assim como te conheci. Serpenteando filosofia num amor que sempre será meu.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Menino.



E ela sentou num canto, acendeu seu Marlboro e fumou. Me adimirava sempre que a via assim, de perfil, à meia luz, embaçada pela fumaça que cortava o ar e pautava inefavelmente o silêncio. Essa era a hora dela, é fato. A hora que ela esquecia o valor do conserto do carro, o limite do banco, a vizinha escrota e os dissabores desse amor contorcido, de poucos planos e ideias abstratas. A hora que ela lembrava que era inteira, que tinha sonhos, que sentia prazer como qualquer outra e não era qualquer menino bobo que iria lhe fazer chorar. A hora que ela se sentia ela. Ela e a fumaça perdendo-se no espaço. E eu ficava ali, no outro canto da cama, no outro campo da semântica, só observando aquela completude.

De repente ela vira e me pergunta: Pra quê?

( Vem sentar aqui do lado, passeia as mãos na minha nuca, me conta uma piada, me conta sua infância, me come, me toma de volta, não deixa eu aqui, sózinha, dando tragos nessa solidão a dois. Vem cá. )

- Pra quê o que?

( Me chama aí que eu vou agora, sem medos, sem deixar o passado exposto como uma ferida aberta. Me chama e deixa eu ser o teu band-aid. Eu não curo, não saro, não cicatrizo, mas cubro e não deixo infeccionar. Me chama de seu que eu fico. )

E ela se levantou e foi fazer café. Deixou a porta aberta e a impressão de que eu nunca entenderia a cabeça de uma mulher.