segunda-feira, 21 de maio de 2012

Isso não é um texto de Auto Ajuda.



Voltar. Ir de encontro ao que passou. Lembrar. Materializar o imaterial. Querer e não poder. Sentir o cheiro de bosques de maçã em meio à fumaça triste de Brasília. Bater a cabeça na parede só pra ver se sangra e dói em outro lugar. Retroceder. Fazer as mesmas velhas coisas. Não existir mais as velhas coisas. Escutar Boys Don't Cry e fechar os olhos. Fazer o mundo girar ao contrário. Correr. Correr. Correr. Parar. Olhar a foto do que passou enquanto o ônibus não para.

Sábado eu tive uma vontade imensa de ir nas barraquinhas que a Igreja Matriz faz todo ano em comemoração ao Divino Espírito Santo, tomar quentão, mostrar que eu cresci, rever os amigos e quem sabe até encontrar a Val no beco, mexendo no meu brinco e dizendo que isso não é coisa de homem. E fui. O padre ordenou o banimento absoluto de tudo que envolva bebidas alcólicas por quê, segundo uma moça gorda que me atendeu, no ano passado um dos coroinhas, após ter bebido na surdina todo o vinho da eucaristia, montou no bezerro que era prenda da quermesse e saiu galopando pelo salão paroquial. Trágico. Tive que ficar na Coca-Cola mesmo.

Lá, esperando a missa acabar pra ver se alguém aparecia, me acometeu a lembrança de um senhor já meio calvo, a voz rouca a me dizer algumas frases de efeito sobre o tempo e espaço. Uma hora pra me explicar o que se resumiria em um verbo. Agir. Me lembro como hoje que enquanto ele falava, eu ficava imaginando quantos anos ele perdeu pra chegar a essa conclusão. Bobagem. Descobri depois que ele tinha ouvido isso na televisão. De qualquer forma, é até bonito.

Cansado, já meio puto, voltei pra casa. Sem quentão, sem os velhos amigos, sem a Val me enxendo o saco. Apenas voltei. De encontro ao que está. Estar. Falar. Verbear. Ver beleza na W3. Parar. Parar. Parar. Corrrer. Entrar na foto enquanto a vida não para.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ó lá.



Até aqui tudo bem - dizia ela em seu momento mais íntimo. Até aqui dá pra aguentar você vir com esse sorriso bobo de quem acha que tá tudo bem. Mas não está. Deitada na rede da varanda ela conversava sózinha. O lábio superior engolindo o inferior. Balança pra cá, balança pra lá. Eu só queria estar ali, de vez em quando, sendo tudo o que ela precisasse. Kiko, vem aqui, vem ver como aquele passarinho insiste em pousar na caixa d'água.

Eu só queria aprender como são belas as pequenas coisas. Amor, o que que tem atrás daquele muro? Ela confiava tanto em si mesma que as vezes se confessava os segredos mais absurdos. Não sei, ela dizia. Não sei.

Não sei até quando - ela pensava e ria em silêncio. O passarinho caiu e se molhou. Kiko, busca a escada no corredor, rápido! Toda tarde de sábado a gente sentava pra coversar. Nada de política, nada de agora, nada pra sempre. Depois sexo, religiosamente, antes de nos deitar. Acho que ele vai sobreviver, bota ele no sol que as penas vão secar. Alguém te ligava, você ria. Amor, vamos pra Planaltina.

Acho que acabou. Me chuta pra fora como um cachorro indolente. Esquece do eterno. Esquece. Tudo permanecerá numa canção de amor. Ainda não posso dizer que te esqueci. Até qualquer dia. 

terça-feira, 1 de maio de 2012

Na fila do analista.



 - Tenho me ocupado com a sensação de que sou um gênio. Com a certeza, na verdade. Sou desses caras que saem andando por aí cultivando pequenezas interessantes tipo como fazer um outdoor com tábuas de construção e musgo, escutando sempre uma banda finlandesa de tecnofunkcelta que só eu conheço, sempre com uma camiseta sem estampa pelas entrequadras até chegar na faculdade e vomitar toda a minha pesquisa sobre Guerra e Paz na carinha rosada da minha orientadora substituta de semiótica. Eu sou o cara, devo admitir. E eu sou bonito também. Bonito como um ator de características intimistas atravessando a ponte do Brooklyn dentro de um táxi. Bonito como Verlaine. Bonito como Troffaut ainda jovem. Fanfarrão como Tolstói, sedutor como Maiakovsk. Minha simpatia não é lá essas coisas, devo confessar, mas sou sorriso na medida certa e sei fazer cara de agradecido quando é necessário. Eu sou demais. E você, o que faz aqui?

- Nesse feriado, de barriga pro ar e olhando o pôster da Sheila Carvalho pelada de quinze anos atrás que o antigo dono da minha kit colou no teto, eu sorria gostoso cada vez que eu me lembrava de quando a gente era só a gente. Duas crianças passeando pela 508 sul, brincando de acreditar que o mundo ficava melhor depois de ouvir o último disco da Legião, ou conversando ao som de Clash que vinha do Café das Moscas. Ele ficava tão engraçado quando fazia careta pr'os ônibus que passavam pela W3, lindo. E tudo que eu queria era um amor assim, pra sempre. Amor de Eduardo e Mônica. Amor que a gente parecia ter. Nada de mais.

- Tô com sede, vamos tomar uma Coca-Cola?

- Vamos, tô precisando mesmo fumar um cigarro. Tem fogo? Quente aqui, né?

- Toma aqui. Pois é, acho que o ar condicionado deve estar com defeito. Você vem sempre aqui?

- Que pergunta mais doida pra uma moça na fila do analista! Não, não venho não, mas vou passar a vir mais. E você?

- Eu tô aqui sempre. Me arruma um cigarro. Ah, filtro vermelho, quero não. Tô parando, tentando diminuir. Minha irmã fala que é viagem, que eu tô mentindo pra mim mesmo quando digo que vou parar e peço um cigarro de filtro normal. Deve ser mesmo.

- Você é tão gente fina, não sei nem por quê tá aqui.

- Poxa, obrigado. Mas é isso mesmo que eu venho tratando. Sou gente fina demais, inteligente demais, bonito demais. De gente assim ninguém gosta.

- Pois é. Vai fazer alguma coisa na sexta às oito?

- Sei não. Tava pensando em terminar minha dissertação tomando vinho. Por quê?

- Posso ir?

- Ir onde? Comigo?

- Sim. Sua dissertação é sobre o quê?

- Literatura tcheca.

- Ah, você gosta do Kundera?

- Pô, o cara é foda.

- Acho que a gente vai se dar bem.

- Eu também.