domingo, 22 de dezembro de 2013

Balada de migração.



A loucura do amor incontestável: o ratinho se ferrou indo atrás do queijo. E se hoje me perco, o prazer da dúvida ainda me respalda: ei, quem era o rato? diz aí, quem era o queijo? Se há algo de belo nos sete pecados capitais da formação do pensamento, Peirce não explica. Kundalini. Correntes telúricas. Deixado de lado eu tenho plenos poderes para acreditar no que quiser. Isto se eu quiser. Umberto Eco, um beijo pra você!

A saudade ainda aprisiona. Fato desconsiderado em pleno século vinte e um onde máquinas decerto ainda amarão mais que os seres humanos. Vai crescendo como um feto na barriga do tempo e não há escolas que deem vaga pr'uma criança tão rebelde. Eu sinto falta de você e dou risada - quem é capaz de ouvir o silêncio é mentiroso. Ninguém sente a falta de alguém. Quanta bobagem.

E a ratoeira aparece como um objeto esquisitão de um filme do Fritz Lang. Ela tem muito a nos dizer. O quê? E nessa de procurar os signos inefáveis, encontro um fio de cabelo seu repousado no carpete do carro. Dou meia volta, espero um pouco. Quando a gente vê o mesmo novo de sempre nem dá mais pra fazer cara de espanto. Tive vontade de voltar no tempo. Que tempo? E eu dou de cara mais uma vez com o eterno retorno justamente quando a torcida adversária vai gritando alucinada: ei, Nietzsche, vai tomar no cú!

A loucura do amor incontestável: amando, loucos, o que constatamos além dos nossos olhos marcados de lágrimas passadas? E que juras foram estas que fizemos que, sordidamente engarrafadas, nem mesmo foram lembradas na ressaca? Inconteste amor louco, apresso-me de novo em refazer meus votos: gosto de você e me sinto um velho amigo seu. Amor de incontestável loucura, meu sonho de criança que hoje vagueia pelos meus pensamentos absortos, nem imagina a delícia de enlouquecer por você.

A loucura do amor incontestável: palíndrome oculta da vida. O verso que não nasceu pra ser revisto. Nem mil Marílias encantariam mais Dirceu, não mais para Lilía Brik o futurista Maiakovisky ofertaria seu poema-anel. Depois de você é só. De resto eu ainda guardo uma foto sua.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Amadurecimento.



Eu queria um dragão. Que cuspisse fogo, de preferência. Algo que representasse a linha tênue entre a selvageria e a delicadeza dos contos de fada, a eloquência mitológica das batalhas principescas medievais como alegoria de uma sociedade que busca um lado pra acreditar, a ideia de um ser implacável no céu e na terra e coisas do tipo. Ela disse que isso era bizarro. Daí a gente tatuou o símbolo do infinito no pulso mesmo.

Depois de um ano de namoro ela falava orgulhosa para os nossos amigos em comum o quanto eu tinha mudado. Agora eu só jogava vídeo game escondido e atuava até bem quando o assunto era música pop. Aposentei minha coleção de autoramas, meus gibis do Stan Lee e minha Telecaster azul. Aprendi, não sem muita relutância, a lógica de ter que fazer a barba pelo menos de três em três dias. E ela parecia feliz quando eu me adequava pouco a pouca à sua vida. Mas não. 

Foi quando eu estava quase parecendo um retrato falado de tudo aquilo que nunca quis ser que ela chegou e disse "Você não é mais o mesmo. O quê que aconteceu?". E ponto. E deu vontade de vomitar todo o sentimento de revolta por estar usando aquela bermuda jeans salmão só pra combinar com seu vestidinho pastel. "Acho que é o cabelo", respondi, tentando parecer engraçado e engolindo pra dentro meu desconforto. "Não, você mudou. Eu sabia que eu iria me decepcionar. Minhas amigas sempre me disseram que você não teria a capacidade de amadurecer, de deixar de ser criança um dia!" Ouvi calado. Não me aparecia uma frase em mente que não começasse com um xingamento e terminasse com outro. E ela chorou por ter falado sozinha. Que sentia vergonha por ter gente olhando seu barraco e me abraçou. Restou-me mudar o foco dizendo que gostava muito dela. E ela propôs que fizéssemos uma tatuagem que simbolizasse nossa nova fase. Nossa evolução como casal. Puto que sou, aceitei.

Hoje nossas peles são páginas viradas. Não quero contestar os motivos. Não há um "se". Se eu tivesse sido diferente, se eu tivesse me interessado mais, se não houvesse me deixado levar. Fomos o que demos pra ser e isso, brega como a tatuagem que você escolheu, foi o que ficou. Não que eu não tenha aprendido nada com isso. Usando lente de contato posso brincar de Clark Kent virando super homem sem topar meu pé na porta. E você pode fazer como a moça da revista tatuando um sapo por cima. Acho que tô mais pra dragão, mas você anda dizendo por aí que foi isso que seu príncipe virou.


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O dia que o amor acabou.



Acordou desavisado e tomou o café de sempre. Status quo do universo: esperando a torradeira cuspir mais duas fatias de pão amanteigado. Faz um cafuné no cachorro que vem se atrever por entre suas pernas, repassa mentalmente aquilo que deveria vir a fazer - entregar mais um capítulo para o editor, esperar que ele termine seu charuto, ouvir algumas abobrinhas, talvez fazer compras com a terceira parcela do adiantamento pelo livro - e sorriu no cantinho da boca; prostituto do saber. Apertou a faixa do roupão e abriu de leve o jornal. A manchete anunciava em preto e branco na primeira página preto e branca a notícia que calou suas obviedades matinais: "MORRE O AMOR. Explosão de bomba afeta definitivamente o tato, o toque e o olhar apaixonado. Sepultamento acontecerá numa terça feira triste e as cinzas serão jogadas na Guanabara." Salvo por ter dormido um pouquinho a mais, nele e, apenas nele, o amor sobreviveu.

#Primeira nota do dia

Antônia já havia saído. Nada de espanto, era o que ela fazia toda santa manhã. Preparava seu suco de beterraba, enterrava seus óculos dois ponto setenta e cinco e saía para a labuta na agência. Não se intrometia em me acordar do meu último sono. Escrevia um bilhete e deixava em baixo da violeta. "Ainda te amo. Mais que ontem. Menos que amanhã. Não se preocupe, só fui trabalhar. Chego lá pelas oito. Não se esqueça da ração do Rafik." Hoje, porém, não havia recadinho, nem te amo, nem lembrete de comida pra bicho. Muito estranho.

Se enfiou na primeira calça jeans que viu pela frente, colocou a velha camisa azul desbotada com o rosto, já desmilinguido, do Woody Allen e saiu para comprar cigarro. Percebeu que se algo de tão terrível tivesse acontecido a mudança era tão sutil que não tinha afetado diretamente os velhinhos que jogavam apaixonados seu xadrez em frente ao mar. Nem os atendentes de padaria que fecham a cara como de costume ao mero sinal de freguês que vem pedir apenas um maço de Marlboro Light. As coisas pareciam bem naturais, os carros passando, a lama de chuva que molha os calcanhares, o balé de pernas dançando apressadas pela calçada a caminho de alguma autarquia do governo, enfim, o mesmo frenesi burocrático de sempre. Parece que até aqui a falta de amor não fazia diferença. Menos mal.

#Segunda anotação do dia

Ao que tudo indica, os sorrisos estão funcionando com a ajuda de aparelhos. Ainda existem filmes com final feliz, mas com isso ninguém parece se preocupar. Se Antônia voltasse logo poderia fazer um teste: beijaria sua nuca e, atento, se certificaria de que o arrepio não seria mecânico. Só assim saberia que aquilo tudo não era loucura. Na TV as propagandas anunciam botox nas regiões, agora flácidas, em que residia o amor. Silicone por debaixo do peito pra esconder a falta do coração. Plástica pra esticar o olhar. Tudo para se encaixar no vazio da nova moda - não dar bom dia ao porteiro é a nova vanguarda estética.

Lê o jornal outra vez. Pede garantias a si mesmo de que não tinha entendido errado. Rafik olha pela janela com certeza achando tudo normal. Assovia, pede que venha e ele aparece sem mexer o rabo fazendo uma cara de cadê minha comida. Se deita sobre o tapete e esquece de ter sonhos com a cadelinha do terceiro andar. Dorme tranquilo. Antônia chega e ele nem precisa mais de provas: joga um chocolate no seu colo e vai tomar banho. Tudo parece uma grande coincidência, algo armado, talvez pelo pessoal da editora, para promover um trote, aproveitar que está chegando seu aniversário e dar uma injeção de adrenalina nestes dias tão caleidoscópicos. Mas Antônia vai se deitar e nem mexe no espaguete feito com tanto amor.

#Terceira e última anotação do dia

Amanhã vai sem falta na editora. Precisa conversar com uns figurões pra ver se lhe quebram um galho. Quer mudar o enredo da história. Quem sabe até se trate de um compilado de artigos científicos. Vai contar ao mundo que descobriu uma forma de não mais brigar no semáforo ou em filas de supermercado. Reinventar o amor. Reensinar o amor. Um tratado filosófico para se interpretar a estrutura do beijo de esquimó ao acordar, do aperto no peito que, olha só que falsário, dará o nome de saudade. Amanhã vai ligar para o jornal e dizer que tudo ficará bem. É só acreditar.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Agora já foi, cowboy.



Subiu o último degrau da escada devagar. Tinha, de certa forma, um receio non sense de bater naquela porta outra vez, talvez um medo de vendedor de enciclopédias que se frustou por não ter encontrado nenhum comprador desde que começou. Alcançou a campainha, uma plaqueta na porta ironizava discretamente: entre sem bater. Não tinha coragem de voltar depois de tanto tempo, girar a maçaneta que imitava o que pior existia do art noveau e entrar como alguém que tivesse esquecido o guarda chuva antes de ir para o trabalho. Respirou bem fundo. Lembrou da última vez em que tinha saído por aquele batente, as costas curvadas, os olhos disfarçadamente marejados, a sensação de vazio. Segurou e apertou - din don. Ah, como aquele simples barulhinho poderia desencadear um universo de significados que estavam perdidos em algum lugar de sua memória. Um senhor de cabelos grisalhos e sorriso simpático, desses que a gente reconhece todo mundo em seu semblante, um vizinho de infância, o dono da padaria, o florista e sei lá mais quem apareceu entre o vão que se formou entre a porta e a parede, protegido apenas por uma correntinha de metal reluzente. Quero falar com a Marina, ela se encontra? E aquela cara de dar balinha no ônibus transfigurou-se de repente para uma feição que passou a residir entre a exasperação e a melancolia. Marina, meu filho, mudou daqui faz um tempo. Você quer mesmo falar com ela? Apenas consenti que sim com a cabeça enquanto ele foi caminhando pela sala, arranhando o piso com sua bengala. Eu assistindo a cena pela fresta. Voltou de súbito, o mesmo ar jovial (agora indiscutivelmente disfarçado) de antes com um bilhetinho na mão. Toma aqui, esse é o novo endereço dela. E dirigiu-se de novo pra dentro do apartamento, fechando a porta na minha cara sem se despedir.

Quando ele quis: foi aí que ela mudou. Desceu a escada e a alameda de primaveras que alguém tinha disposto não em linha irremediavelmente reta, mas de forma irregular, e fez daquelas flores cor de rosa a alegoria daquela descoberta. O bilhete era, na verdade, um recorte desastrado e trêmulo de um convite de casamento e dava pra ver, no final, em letras douradas INA. De Marina, é claro. E aquele senhor devia ser seu tio avô que voltou a morar no velho apartamento. O mesmo senhor que se correspondia frequentemente por cartas com ela, as cartas que ele a ajudou a corrigir, as cartas em que ela dizia ter encontrado um cara especial, que talvez fossem, ela e ele, visitá-lo em breve. As cartas que, vez ou outra, levaram sua foto para que o tão querido tio desse o parecer: magro, bigodes horríveis e fora de moda, parece um ator de bollywwod sem talento para fotografia, pode ser que seja um sujeito bacana. Sim, quando ele perguntou por Marina o espanto era esse. Recordou-se dos retratos que a sobrinha neta o enviara há tantos anos e se surpreendeu com a audácia daquele que ela, sem dúvida nenhuma, voltou a lhe descrever: mau caráter, individualista e sem o menor desejo de viver uma vida a dois - ps: se um dia ele for procurar o senhor neste endereço, bata a porta sem dó em sua cara. Tão ela isso.

Não fazia tipo e não tinha o menor dom de ser passional. Jogou o bilhetinho na primeira lixeira que pareceu mais triste que ele e seguiu de volta para o trabalho, dando-se conta que já havia excedido a hora do almoço. Desejou-lhe sorte enquanto olhava o trânsito pelo vidro do ônibus. Quis verdadeiramente que ela e seus olhinhos castanhos fossem o mais felizes possíveis para quando (se um dia) encontrarem-se na rua, tivessem novas e boas histórias pra contar. Colocou o fone de ouvido, botou pra tocar Bruce Springsteen e voltou a vivê-la em saudade. Apenas.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Comigo não.



Sempre acreditei putamente nesta história de "vai ser pra vida toda". Mesmo. Por isso que as vezes fica tão difícil pra mim encarar a realidade daquilo que é só fingimento. Ver o amor como um bullet time, uma alegoria desonesta com o mundo. Existe a mina do brother que diz que sente muito. Existe o brother que faz de conta que o mundo acaba aquela noite. Tantos desesperos maquiados. Tantas fantasias e, olha só, já passou o carnaval. Continuo acreditando, é fato, mas é como um tapa na cara da minha inocência botar a culpa na bebida, nas palavras ou no entendimento alheio pra botar pra fuder com o planeta sonho que a outra pessoa construiu só por que você tomou uns drinks a mais, viu-gostou-mentiu-ficou, e dane-se. De qualquer forma eu tenho pena.

E eu penso nos dois comemorando em Bora Bora, comendo coxinhas de padaria, criando os filhos e escolhendo o cardápio no restaurante. E eu me frusto. E eu passo a amar aquela pessoa pra preencher nossas lacunas. E eu sei que sua dor é filha da puta. E eu sei que sou apenas um fleneur escondido na cortina do cotidiano, observando mais uma história terminando por que alguém fracassou na missão mais fácil do universo: fazer uma pessoa feliz. Claro, você mora num planeta que não conhece flores, sonhos de valsa e aparições de surpresa. Seu planeta sábado a noite vive a ditadura do meio termo, meia verdade e, é óbvio, inteira solidão.

Natural que indivíduos como eu (sim, eles existem disfarçados de entregadores de flores, melhores amigos e
escritores de bilhetinhos anônimos) tropeçam na própria vontade do eterno e caem de cara do chão. Falta-nos a habilidade de entender que devemos trocar de celular de três em três meses, de postar fotos com todas as pessoas da festa ou de, apenas, fingir que está tudo bem quando tá na cara que não está. A diferença é que a nossa capacidade de levantar, sacudir a poeira e seguir em diante passa pelo pressuposto de que mesmo isso valeu. E que foi uma fase legal. E que foi pra vida toda.

No mais não quero servir de exemplos, sou péssimo em dar conselhos - cada um com seu cada qual. Amando com a intensidade de uma garrafa de tequila. Esquecendo com a ressaca do que já passou. A delícia do efêmero que eu não consigo sentir. A obsolência planejada do que foi feito pra ser pra sempre. Só que comigo não.

domingo, 8 de setembro de 2013

Kilométrico.



Longe é onde minha poesia não pode alcançar seus cabelos de vento. E a distância, olha quem fala, é feita de toda essa tua ausência incansável de mim, dos teus cotovelos que não me incomodam quando estou assistindo um filme, das tuas meias palavras que, me parece agora que já nasci sabendo, são tão sinceras quanto um beijo de boa noite. Lá onde o cheiro das flores que te comprei não chega é onde você está. Linda e irremediavelmente transitória em aspirações amorosas assim como eu. Lá onde o meu silêncio não se faz ouvir. Lá onde minhas incertezas são completamente irrisórias é o lugar onde você está e só me resta dizer que, enquanto isso, eu vou construindo aqui o seu altar.

Aqui, onde você samba em meus pensamentos entre um gole e outro, é o instante em que te dedico as mais belas coisas, onde você, com seu diadema de estrelas, arrepia meus mais impossíveis pelos, fazendo brotar de cada poro uma esperança cega de abraçar você com toda a fúria de um cara que só tem a delicadeza das manhãs para oferecer. Aqui, onde o cílio encontra o outro cílio não por reflexo, mas pela necessidade de fechar os olhos pra perceber o mundo que se põe a minha frente num exagero de estar ao seu lado, embalando seu sono, ofertando minhas mãos às tuas coxas e acariciando teus sentidos. Onde a vida me pede insistentemente pra me declarar logo pra você é aqui, quase todo teu.


sábado, 24 de agosto de 2013

De tantos e's.


E pensar no oblíquo instante em que nossos olhos se desgrudaram devagar; a semântica se entorta e não consegue explicar - tínhamos tudo e não tínhamos nada. Sem o sentido habitual do beijo, as semelhanças não significam coisa alguma. E fomos assim: o nada interrompido, a delícia de sentir o outro que não se concretizou. A palavra sorrindo disfarçada por não ser a pessoa que está do outro lado da escada rolante quando alguém corre abraçando o vento procurando por outro alguém.

E você tinha tudo. Meu ritmo e meu samba, coisa que só um bamba tem as manhas de profanar. E eu te entendo também, não é fácil, mas é lógico. Teu ufanismo quase retardado pelos signos que até anteontem foram a última moda, tuas caras e bocas pelas safadezas idiossincráticas do último nome a fazer a última coisa mais bela que te fazem parecer uma senhora de meia idade a procurar um cara sincero e romântico numa mesa de boteco e a tua mania boba de me cortar sempre que eu queria mostra que eu, sim, eu, que estava ali bem do seu lado, sou bem mais carismático do que qualquer outro bosta que, só por quê aparece na televisão, tem duzentos e noventa e dez seguidores no twitter, é apenas uma maneira menos alegórica de mostrar-se por inteira e mais palatável aos seus pares degustadores de ilusão.

E ainda que você continue a mesma apesar destes pesares sinceros que a ti dedico, fica a memória confusa dos dias que eu passei entornando até a última gota de saudade das suas sentimentalidades todas. Sou um cara que ama e não peço em momento algum algo em troca. Nem seu conhecimento dos Beatles, muito menos seus olhares. E vou passando mesmo que meus amigos do peito digam que isso é bobagem, que eu me apaixono diferente a cada semana diferente, que você é só mais uma no meu picadeiro de emoções e que o circo não está pegando fogo para que eu fique desse jeito, tão transtornado, na esperança de te ver novamente.

E você que se pareceu tão minha por ligação dos pontinhos não foi nada. Sério, sem culpa. Eu armado com meus melhores poemas e você só se utilizando do escudo de Agostinho num épico desleal e sem chances de revide. Eu fui um idiota e você parece rir disso agora. O fato é que eu estou cagando para as suas conjecturas falso-estéticas de um mundo mais amoroso - desde que seja com a pessoa que lhe sorridentemente atrai. E você que foi a minha vida e passa a ser apenas um capítulo caprichoso da minha história, o que dirá quando me ver em outros abraços que não os teus? Fingirá rancores como fingiu amores?

Margot de tantos sonhos, Margot de tantos planos, será que a imaginação longínqua não consegue te alcançar? Que serei eu sem os dias que, sem cessar, planejei pra nós dois? E o padre fica só no altar. E eu fico só a te querer. A gente ainda vai virar um filme de amor. Isso se ainda houver tempo de você vir bater na minha porta e dizer que esteve errada.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Intrépido passado.



Recentemente adicionei uma amiga dos tempos de escola no facebook. Abro aspas para o tempo que não a via e, de primeira vista, ela parecia mais alta, mais bonita e muito mais evoluída do que nos anos que passamos juntos resolvendo equações de geometria II. Uma quase ruiva de cabelos presos por um lenço azul e uma vontade imensa de reencontrar as pequenezas da juventude perdidas em algum lugar do tempo. Encurtando, ela solicitou e eu apenas aceitei.

Pouco tempo após essa investida do passado bater em minha porta virtual numa terça feira a tarde eu publiquei em meu perfil um link que dizia em palavras clichês que eu havia postado uma nova poesia no meu blog. Acho até meio careta ficar mostrando isso pra todo mundo por que parece uma espécie de mendicância de um abraço, mesmo que a distância, um apelo sentimental por um comentário ou coisa que o valha mas, na verdade, essa é realmente a intenção. Sou solitário e carente, algum problema? O lance é que ela curtiu. Curtiu como todas as pessoas curtem; olhando com um certo desdém e clicando em tudo que vê pela frente.

A coisa mais engraçada foi que ontem, lá pelas tantas, sentado numa mesa de boteco alguém bate no meu ombro. Quando eu virei e vi aquelas coxas que foram a felicidade de toda a turma do segundo ano do ensino médio, fiz uma carinha de oi, tudo bem, quanto tempo, né? e a abracei timidamente convidando-a pra sentar comigo e talvez até dividir uma cerveja. Sim, ela estava ainda muito mais bonita e interessante do que aquele corpo de ninfeta que a fez ser meu sonho de consumo por tanto tempo. Conversamos e conversamos e conversamos sem que eu tirasse meus olhos inquisidores daqueles olhos que se rendiam sem nada lutar.

Daí que ela solta a frase mais intrépida da noite: não posso acreditar que um cara que escreve tão bem foi meu colega de infância e mora bem ali. Não tive outra opção a não ser retrucar com a mesma loucura: eu que não posso acreditar que você mora bem ali e foi minha colega de infância. Deste momento em diante o que era pra ser um encontro e talvez um sexo after bar tomou uma proporção de uma discussão digna de internação. Ela, muito curiosa sobre os meus dotes literários, continuou: e os seus sonhos, como são? Pensei puta que o pariu, meus sonhos? E fui sincero: eu sonho cor de rosa e quase sempre eles terminam com um porquinho vomitando o arco íris.

Da noite com uma gata como aquela me sobrou apenas a conclusão de que as pessoas acreditam que poetas são como dragões e, tal como, elas vão te perseguir como se você fosse o último deles. Te cercarão sem dó nem piedade, balançarão seus cabelos de fogo e te queimarão numa fogueira de perguntas estúpidas sobre o amor e coisas do tipo. E fui embora. Ela ficou lá conversando com o garçom - que não escrevia nada mas era bem mais bonito do que eu. 

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Retrovisor, loiras tequileiras e um amor que se basta.



Difícil era não ter no semblante a chaga de você entrando no portão, olhando de relance eu sumir pela esquina. Carros tem retrovisores para que se observe seu amor entrar em casa fingindo que não parou uma última vez para te desejar boa sorte, vai com Deus. Acreditar no impossível segundo em que eu deveria ter segurado sua mão e pedido pra ficar só mais um pouco é o que me mantém imerso neste oceano bobo. Aconteceu, de certa forma, o que estava escrito que iria acontecer - um beijo tímido nas suas bochechas cor de rosa, foi legal, a gente se vê. Mas você sabe o que eu queria mesmo, como também sei o que você desejava em seu universo particular. Sempre existe uma outra vez e é nisso que me apego para não ligar pra você esta noite. Sempre existe uma outra vez para que finalmente nossas direções se encontrem, uma outra vez para que eu desista de falar descontroladamente amenidades e vá direto ao ponto, ei, mocinha, fica um pouco mais que eu vou te contar um segredo... e só. Não deve doer. Ser homem o suficiente pra dizer coisas que demonstrem certa credibilidade para um definitivo beijo de boa noite. Eu posso fazer isso.

A noite terminou com um sorriso tétrico: voltando pra casa ouvindo uma música eletrônica que eu não sei o nome e sentindo uma falta imensa do que tinha acabado de acontecer. Você não sabe o quanto de saudade cabe no coração de quem tem inveja até dos bem-te-vis que são mais rápidos que eu e vão te acordar de manhã com aquela cantoria cínica. Havia plantado sem a menor vergonha na cara a semente que, se você aguar direitinho, vai florescer como florescem em algum lugar os lírios que encomendei pra te dar de presente quando nos vermos novamente. E eu vou abrir a porta do carro também. E vou parecer um bocó talvez, não importa. Quando eu te ver de novo eu quero fazer tudo como manda o figurino pra noite acabar ainda melhor do que acabou hoje, compro até fogos de artifício se for necessário. Tudo que for preciso para assistir de novo o espetáculo do seu sorriso, este sorriso que me basta e que, paradoxalmente, me faz querer ainda mais.

Dormir e acordar com a sua onipresença despertando minha memória, encontrar até nas embalagens sedutoras de alvejante a sua silhueta e procurar nos classificados uma casa espaçosa que caiba com conforto o nosso futuro compuseram discretamente meu script semanal. Além de umas horas de trabalho e algumas cervejas, é claro. Também não pude começar ou terminar qualquer que fosse a conversa sem que seu nome aparecesse como um comercial das Casas Bahia durante o intervalo do filme preferido, como uma planta que quebrou o vaso e parece que já criou raízes no meio da sala e não há maneiras de tirá-la dali. E foi assim, como se a vida fosse não mais que um emoticon sorridente, que se passaram não sei quantos dias de borboletas no estômago, de mãos atrevidas procurando um telefone pra alcançar o macio constante das suas cordas vocais.

Aperfeiçoo minha sapiência em biologia explicando meu amor autótrofo; ele se consome e se basta. Não se intimida ao menor perigo de não ter o outro. Tem em suas entranhas o alimento necessário pra sobreviver o tempo que for preciso pra ouvir nem que seja o som do bipe do celular quando não quer me atender. E ele, esse amor que pinica, estará com você também. Na fila do banco uma senhora comentará com outra sobre as peripécias amorosas de sua mocidade - e você vai se lembrar de mim. O sujeito que embala seus sorvetes de flocos no supermercado fará uma piada sem graça sobre portugueses no aeroporto - e você vai se lembrar de mim. Prestes a chegar em casa, na calçada onde por vezes conversamos, ali também você vai se lembrar de mim. E eu, sem nem mesmo estar ali, serei uma risada descompromissada de quem se lembrou de algo por acaso e ficou muito grata por essa faísca de lembrança acender o sol do seu dia. Essa auto suficiência sentimental é o que me permite ficar em casa, por horas e horas, sem esboçar nem um traço de amargura por não tê-la comigo, olhando suas fotos na internet.

Não sei quando voltarei a ter ver e isso incomoda um pouco, eu admito. Gostaria que fosse agora, que você me mandasse um torpedo dizendo que não aguenta mais de tanta ansiedade de me ver falando tudo isso ao vivo e a cores mas, se não for pra ser neste instante, okay, pra mim tá ótimo. Apenas queria que você soubesse que em mim, apesar do que dizem, é verdade. Prometo não decepcionar esta ausência na presença de abraços que não sejam os seus e não medir esforços para atar-me ao nó que me prende do mundo de loiras tequileiras e morenas de salto quinze. Serei seu enquanto houver estoque de amor na minha dispensa. Mesmo que isso pra você seja bobagem. Mesmo que pra mim seja difícil apagar do semblante a chaga do seu sorriso ao entrar no portão.

 

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Conexões II




"E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas pesquisando a vida dos insetos."
Mário Quintana

Um fora sutil. A melhor maneira de começar esta história é dizer que ela está acabada – apesar destas linhas tortas eu não tenho vocação pra correr atrás. O amor é amor e ponto, não existem diferenças do que acontece aqui para o que acontece em Nice. E eu gosto de você. Mesmo. Quando me deparo com estes seus olhinhos negros eu tenho realmente a impressão do pra sempre. Este pra sempre que dói pra caralho quando estou sem créditos pra te ligar. Este mesmo pra sempre que eu espero que um dia passe.

Você que já está na minha vida há tantas vidas, como não pode perceber que o cartão era muito mais importante que as flores? Em que planeta segurar a mão de alguém quando esta estiver triste é apenas um sinal amiguinhos-que-vão-se-twitar-pra sempre? Olha na minha na cara e me diz o que você vê, só pra eu ter a certeza de que quem não está confundindo é você. A priori, eu não preciso disto, mesmo sabendo que o que mais me atrai em você sou eu do seu lado necessitando cada dia mais de você.

Bem provável que você nunca mais vá me ver. Também estou mudando de planos, de rumo e de cidade. Se acaso nos encontrarmos algum dia numa dessas esquinas que dão para aquilo que você quer esquecer, eu vou te dar bom dia e perguntar da sua vida, e você talvez até quem sabe fará o mesmo, me abraçando sem querer.  Alguém dirá que está atrasado e vai virando as costas, sumindo outra vez entre os carros, homens e semáforos. Este é o roteiro pro futuro disso que ingenuamente chamei de amor  e, com todo esse carinho-amigo que você diz sentir por mim, siga a risca.

Já não somos quem eu planejei e não caminharemos lado a lado nesta calçada por muito tempo, tenho coisas pra arrumar – livros, discos, amigos e, por que não, um outro alguém divertidíssmo como você, com o sorriso tão lindo quanto o seu e com essa sensibilidade quase que angelical que eu tanto admiro quando vai se vestir. Eu gosto de você. Mesmo. Mas acabou, tem que acabar. Não levemos mais adiante o que tá na cara que não vai dar em nada. Nossas retinas escancaradamente unidas hoje só me provam que eu fui um idiota em acreditar no óbvio, no que estava na cara e que por isso acabei por precipitar as coisas. Tudo volta a ser como era antes. Sério, por mim tudo bem. Eu que já estive por noites inteiras acordado pensando num filme de nós dois, sou agora Lars Von Trier me animando com o sucesso da melancolia.


Minha solenidade com a perda de um amor que eu jurava e queria e desejava que um dia fosse assistir televisão com a face enrugada e a sensação de dever cumprido ao meu lado não é de hoje. Tenho aprendido com o tempo o que Vinícius sacou com o vento “... que seja eterno enquanto dure.” E também levo coisas incríveis de você comigo. A sua risada tímida, por exemplo. Isso vai ficar em mim como ficarão os passarinhos que gorjeiam agora, naquela que já foi a nossa janela pra vida. Eu gosto de você. Mesmo.    

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Exceção


De pensar em ti um tanto
com o amor que me faz pouco
nego-me o tempo e louco
apenas agradeço - e canto

O que de ti me faz assim
sorrir e lembrar sem querer
que tudo aqui hoje é você
e nada mais depende de mim

De pensar em ti um tanto
deu-se vida ao que era encanto
e não é preciso entender

De pensar em ti um tanto
dei para o infinito azul e manso
a chance de te ver.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Amor ecumênico.

O infinito instante então perdura e eu vou pensando nela enquanto passeio os dedos por meus cabelos anelados. Protelar a vida procrastinando a história; essa é a metade do que cabe a um homem que ama. A outra parte é saudade. Observo um casal de meia idade entrando com seus filhos numa padaria. O que lhes reserva o destino hostil do amor? O que de sagrado e profano existe naquelas mãos dadas? Eu penso nela como quem pensa em santidade, com a justa medida entre idolatria e carnaval.

Abro um parentese: é feliz quem tem alguém pra pensar. Faço planos pro reveillon e me lembro que ela não está aqui. O sonho vago, a metáfora incompleta somos nós dois. Percebo agora que já há algum tempo me permito deixar levar pela incerteza das suas inserções oníricas. Eu tenho fé em Deus e isso basta. Portanto que me sobrem espaços para que caibam em mim todas as suas intenções.

Muito me interessa sua lógica de cantar com os passarinhos - se alguém me disser que é mais feliz que isso eu duvido. Tenho seu rosto pregado na parede da memória, a foto que nunca tiramos abraçados, e me sinto bem. Eu tudo e nada. Amor taoísta de deixar de ser para ser ainda mais. Procuro então seu telefone em vão e eu vou acreditando que mesmo assim tudo pode ser melhor amanhã. Tudo verdade. Tudo amor. Tudo que não consigo dizer enquanto estou com você.

Eu vou pensando nela por que a amo e isso eu descobri brincando de estar ao lado dela, na alegoria do pra sempre, chamando-a de meu amor.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

De agora em diante.

Desculpa. Sei que isso não adianta, não te desculparia se fizesse o mesmo comigo. Então, desculpa pela desculpa. Não sei como aconteceu, só posso dizer que foi de repente, não dá pra explicar. Ela foi chegando, procurando um espaço e foi tomando o lugar que, poxa vida, não era dela. Tudo bem, eu deveria ter me esquivado, dado uma desculpa e sair pela porta dos fundos. Você não entenderia. Nem quero que você me entenda. Não adianta eu dizer que foi só desta vez, que isso nunca vai se repetir, por que assim vou ser mais canalha do que andei sendo esta noite. Basta ela fazer aquela carinha de novo que eu caio.

A culpa não foi dela, é claro. Ela não veio pra isso e, pra começar, eu que provoquei. Também não tive escolha, se é que isso serve de consolo. Quem é que não se apaixonaria por aquelas mãos que, lindamente, seguiam da fronte à nuca, incansáveis, navegando pelo mar bravio que são os cabelos pretos dela? Olha só, já estou falando em paixão. Me desculpa. Sei que já não tem mais jeito, que acabou. Não estou pedindo que fique, que me perdoe e pra falar a verdade já não sei nem mais por que liguei. Talvez pra dizer que me evite, que eu não presto e, se for preciso, não lembre mais de mim. Já não existe mais por quê ficar assim.

Meu amor foi uma farsa e eu admito. Sempre nos encontramos pela metade e não seria auto punição afirmar que isso só aconteceu por nunca ter sido por inteiro com você. E existe a distância que, você sabe, tem sido foda pra mim. Pra você também, eu acho. Se me sobrasse um pingo de lucidez eu te diria pra nunca perder a esperança; a esperança clichê dos contos de fada, a esperança que moveu os moinhos de vento, que eu sei, por experiência própria, que sempre existirá um príncipe encantado para cada donzela enganada por uma bruxa má. Isso mesmo não sendo a donzela, nem a bruxa e muito menos o príncipe. Sei por que sei, por que já me apaixonei por você e a nossa história daria um livro.

Você vai receber dois buquês de flores: um no seu trabalho e outro quando chegar em casa, por favor jogue fora. São copos de leite que eu escolhi com um certo cuidado com a ajuda de uma senhora marroquina que estava na floricultura. Ela disse que a mulher os que recebesse iria se sentir muitíssimo feliz. Mas jogue fora. Não são flores de alguém que sorri quando chega na sua casa. São flores de culpa. Brancas de medo que você soubesse de ontem a noite.

Sabe, desculpa por te falar tudo isso assim, sem rodeio. Mas eu prefiro te dizer a verdade em respeito a tudo que a gente viveu do que mentir pra continuar levando nosso amor pela metade. Eu sei que nem mesmo as desculpas mais sinceras e as flores mais bonitas te farão me perdoar ou voltar correndo pro meu apartamento. Só queria pedir, isto é, se ainda posso, que você continuasse a ter no semblante o ar de quem nunca se arrependerá por ter amado. Mesmo depois de mim.

Conexões



Virou a esquina, deu um tropeço e olhou pro alto. Os livros caíram no chão e dali pra frente ele não teria mais certeza de nada. Poderia ser uma pedra, poderia ser um buraco ou uma lata de lixo, mas não. Se levantou ainda mole, ajeitou a camisa e ficou ali, imóvel e, alguns diriam, inconveniente.

Havia tropeçado nos pés de outra pessoa. Outra que também vinha, no sentido contrário, virar a esquina. Do lado oposto, do outro lado da história, alguém também caiu. Com seus olhos de um negro profundo, o vestido com estampas florais, ela foi colocando de volta na necessaire a maquiagem que se espalhou na calçada. Alguns poderiam dizer que foi descuido, outros, que isso acontece, mas ninguém se atreveria a decifrar o exato instante em que se fitaram, tímidos, sacudindo a poeria, no cruzamento de duas avenidas.

Ele sempre foi um cara inconstante, tinha trabalhos inconstantes, amores inconstantes, sorrisos que se perdiam. Um dia resolveu mudar de cidade, de plano e deixar o cabelo crescer. Arrumou um emprego num café perto do seu novo apartamento e foi conhecendo alguns amigos, os amigos dos amigos e, como era de se esperar, uma garota que era amiga do cara que era músico, irmão do cara que estudava medicina, amigo do Ceará, o garçom que trazia a cerveja mais gelada no bar que eu frequentava.

Uma francesa que tinha vindo ao Brasil pra conhecer a família da mãe quando ainda era adolescente e acabou ficando, ficando até entrar na faculdade de artes, curiosamente para satisfazer os desejos da família do pai. Seus cabelos caramelos encaracolados impecavelmente bem cuidados e um sotaque engraçadíssimo foram o bastante pra que ele se apaixonasse perdidamente. Ele, com uma música do Chico e uma camisa do Chê, não demorou muito pra ganhar o coração da mocinha meiga de Marselha.

Não demorou muito pra que eles estivessem dividindo o mesmo teto e os mesmos sonhos. Iriam se casar em Bora-Bora mas a grana só deu pra uma recepção simples para os amigos mais íntimos regada a cerveja e salgadinho. Ele tirou os cartazes dos filmes que haviam na parede, menos os da Nouvelle Vague, esses ela pediu que deixasse em memória da pátria distante. Não tiveram filhos além da Lolita, uma fox paulistinha que não deixava ninguém do prédio dormir e o Neco, o vira-lata amante dela que volta e meia aparecia pra uma sacanagem no tapete da sala.

Foi tudo lindo. Só não durou. Ele ficou muito triste ao chegar em casa e se deparar com um bilhetinho rosa que dizia:

- Vou por saudade de casa. Não sei se volto. Se servir de consolo não levo nada, tudo fica. Até quem sabe um dia, Marcelle.

E ele foi levando. Se colocando de volta na linha, trabalhando. Sendo feliz do jeito que dava. Só não pensava virar a esquina e cair. 

terça-feira, 2 de julho de 2013

Da plenitude e das coisas que trazem felicidade.



Ela nem tem a medida certa, nem usa as roupas que estão na moda. Ela não arruma o cabelo toda semana, não tem o carro do ano e muito menos se preocupa se esta ou aquela bolsa é uma legítima Louis Vitton. Ela não costuma ficar o dia inteiro no shopping comprando tudo o que vê ou fazendo a vendedora abrir e dobrar todo o mostruário da loja. Seu celular não tem nem mesmo uma capinha de oncinha ou bonequinha ou enfeitezinho ou qualquer que seja o diminutivo. Ela não chama suas amigas de honey. Ela fica super away se alguma delas a chama assim.

Ela gosta de ler e acha graça quando acham graça se é isso mesmo que ela vai fazer na sexta a noite. Ela trabalha pra caralho e faz planos pra ir com alguém pra Floripa no fim do ano, só não sabe quem. Ela tá bem preocupada com a inflação e chora feito criança quando escuta o hino nacional. De vez em quando ela sai pra dançar e não liga nem um pouco se vai dormir sozinha. Ela quer um cara pra sempre. Ela quer terminar a faculdade e aprender a fazer brigadeiro de colher. Assiste bons filmes e vai à algumas exposições. Ela quer vender o carro e fazer sua pós no exterior. E ela tem os olhos e o sorriso mais lindos que eu já vi.

Quando alguém lhe pergunta sobre o amor ela finge que não é com ela, despista e fala sobre os Beatles. O amor já passou na sua vida, ela sabe como é. Quando tá com o saco cheio ela liga o rádio e pensa na vida. Ela tá cagando pro vizinho que acha que ela é louca. Mas ela é mesmo louca quando conversa com os passarinhos sobre aquele cara que ainda vai chegar. Um cara legal, que a respeite como respeita as faixas de pedestre. Um cara como ela que cultive a habilidade de ser especial nos dias mais cinzas. Ela nem pensa que precisa ser agora, talvez quando fizer frio.

Ela não é nem nunca foi a mais bonita mas tem seu charme de menina descompromissada, assim, de primeira vista, não levando em conta seu heroísmo pra pagar as contas no fim do mês. Um charme de mulher vivida, assim, se todos não soubessem que ela se derrete toda quando alguém lhe faz um elogio. Um charme que é só dela, na sua singularidade plural, de amar as coisas como elas são, o reto é belo e o convexo também, de passar o tempo aguando as plantas e os sonhos. De realizar e ser realizada.

Você pode até não se apaixonar como eu, mas tenha a certeza que algo dela sempre vai ficar. Se não o cheiro de chiclete de hortelã, pelo menos a vontade voraz de ser feliz.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

O amor inquieto.


É que aqui existem muitas lágrimas além destes filmes do Fellini. Não, não estou te banindo e nem muito menos deixando este anúncio como um spoiller. Quero mesmo me apaixonar por você. O lance é que eu andei meio down, ouvindo bastante Cole Porter e sabe, de repente não estava nos meus planos trombar com seu sorriso logo agora.

E tem outras coisas também. Coisas que eu sinto quando me lembro de ter te visto pela primeira vez. Seu violeta estampado. Seus desejos e cartões postais. Coisas que me fazem acreditar no amor do mesmo jeito de quando eu era criança.

Na verdade não existem limites claros que me façam desligar o telefone e não te ver nunca mais. É fato que temos pouco tempo de convivência e talvez eu esteja precipitando as coisas mas, basta ver uma foto sua pra eu ter a sensação de que nos conhecemos há anos, de outras vidas até. Nossa dialética é duvidosa, admito. Eu só posso te dizer que eu quero mesmo me apaixonar por você. De mansinho, em segredo, pra gente ir se acostumando com o novo, com o copo cheio. Depois a gente grita pro mundo saber que dane-se o que os outros vão pensar, a gente vai ser feliz e ponto.

De qualquer forma, me entenda, eu quero mesmo me apaixonar por você. Agora. Ontem. Pro resto da vida. De olhos fechados e coração aberto. Basta você querer que eu quero. Sempre. Logo.


quarta-feira, 20 de março de 2013

Cartão postal.



Ali, bem perto, tinha uma esquina. Uma árvore frondosa avançava o sinal logo ao lado. Antes um pouco, um  boteco e era ali que a gente se encontrava quase sem querer nas noites de quinta feira. Quinta feira por que parecia casual. Quinta feira por que era o dia em que ela saía mais cedo da faculdade. Quinta feira por que eu estava lá todos os dias da semana. E sempre a gente acabava numa discussão inútil e interminável que nunca chegava em uma conclusão decente. A gente era, olhando agora, bem clichê. Dois jovens que insistiam ingenuamente em fugir do cotidiano mainstream, algumas cervejas e bem pouca certeza de tudo.

Eu soube há alguns dias que essa garota casou, mudou pra Londres com seu marido de viés mulçumano e faz brigadeiros pra ganhar um extra enquanto não está se descabelando com as crianças. Bem louco isso. E olha só: deixou de ter a chaga insuportável e demodê de querer parecer sempre uma intelectualzinha de merda. Dizem que eu também mudei, que engordei, que fiquei calvo do lado esquerdo - algo que já era bastante previsível naquela época - e hoje só declamo poesia aos passarinhos. Longe daquele cara que também insistia em ser um pseudo-cult-que-fingia-gostar-de-cinema-iraniano.

Falo de tudo isso por que hoje, ao encontrar um livro do Kerouac, eu me lembrei, naquele sem querer esperado que nos era tão peculiar, de uma discussão homérica que travamos numa dessas inesquecíveis noites de quinta feira. Você me dizia como foi importante a contribuição da guerra, da crise econômica, da lei seca e de como toda essa caralhada de coisas e suas recém aberturas a novas outras caralhadas para a construção de uma literatura ácida, pertinente e subversiva como foi a beatnik. Eu, que sempre achei esses caras bem legais, mas não tão importantes assim, emendei na conversa todo o manifesto antropofágico do modernismo tupiniquim e exemplifiquei, não sem muita viagem na maionese, o valor desse movimento que revolucionou o pensamento literário brasileiro. Como sempre, alguém chegou, atravessou a conversa e traçou um paralelo interessantíssimo sobre as duas correntes estilísticas fazendo com que saísse uma babinha indiscreta no canto da boca de todos os presentes. Se eu estivesse sóbrio, com certeza, faria melhor. 

O fato é que eu senti saudade. Saudade de ouvi-la me dizer eufórica que Caio Fernando Abreu é muito mais que essa castração do facebook. Saudade da sua mente insubordinada. Saudade de como isso tudo me fazia um bem imenso. Talvez eu até a amasse. Talvez. Pode ser até que ela hoje, de repente, olhando pro Tâmisa e fazendo suas meditações transcendentais também esteja pensando em mim. E eu desejo toda sorte na vida, saúde pra ela, pros filhos e pro cara de turbante. Sorte também com os brigadeiros e com essa nova maneira de encarar a coisas. 

Não vou escrever um e-mail cheio de emoticons e nem muito menos espero um postal do castelo de Windsor, apenas queria que ela soubesse que estou aqui, sob a sombra da memorável mangueira, no bar antes da esquina tomando uma por ela e pela vida. Saúde.


segunda-feira, 18 de março de 2013

Perdão.



Não sei como começar a lhe escrever, não sei. Não sei ao menos se ainda há esperanças pra nós. Gostaria, como Neruda, de lhe falar as mais belas coisas esta noite, como tiritam, ao longe, os astros na escuridão e outras sentimentalidades, mas não. Não quero parecer pedante e insensível logo agora, depois de todos estes anos de silêncio.

Posso, quem sabe, encontrar a palavra mais precisa, da lembrança do momento mais preciso em que nós nos apaixonamos, lhe dizer o quão triste foi a espera destes dias gloriosos em que eu posso finalmente deixar meus olhos navegarem nos seus. Mas também não. Não deixemos, agora que superamos a distância, nos afogar neste mar tranquilo dos signos clichês. Permitir o marasmo é assinar o decreto de adeus ao nosso caminho meticulosamente feito para ser sinuoso.

Perco, se é pra falar em você, a minha habilidade mais cara: a palavra inventada, pois, que palavra é mais bela que o silêncio de te lembrar e a página em branco do nosso futuro incerto? O que posso senão transcrever aqui nossas memórias, nosso livro guardado a mil chaves em nossos corações suburbanos?

Ainda lembro, claro como o mundo que se banha de luz na minha frente, dos dias outonais da nossa feliz e segredosa juventude símia. Nossa armadura de sonhos, nosso prazer inefável pela descoberta, pelo novo. O que me dói é saber que eu errei. Errei em neon, com letras garrafais quando lhe deixei e acredito piamente que não pecou em nada quando não me deixou voltar.

Lembro dos seus olhinhos caramelos se encherem d'água com o que foi, certamente, sua primeira e mais dura decepção amorosa. Seu príncipe marginal era apenas um babaca inexperiente. Eu hoje sou um réu confesso e penso todos os dias antes de dormir no instante em que aqueles olhinhos tão sentimentais irão me perdoar.

Sei, além de tudo isso, que não há como negar nossa simetria, nossos rios de mágoa desaguam no mesmo mar de saudade e eu sei que você também pensa em mim com carinho ao se deitar. Sei que ainda sou o seu princípio, seu meio e seu fim.

Guarde minhas linhas piedosas se for necessário, mas saiba que o amor restará em mim, em você, em nós e bradará como uma bandeira que flamula ao ser asteada pela pátria enquanto nossos sentidos controversos ainda forem os mesmos. Como antes.

Eu sempre volto.



Passa aqui depois. Martelou significados a essa oração. Gastou todo seu conhecimento de Peirce, Chomsky e Saussure. Nada. Ela era sempre tão na dela, tão irreversível, tão cheia de silêncio que aqueles olhinhos de pergunta hoje ficaram sem resposta. Passa aqui depois - ela disse, ainda que pra dentro, com a ausência contratual do fica, não vai embora agora não. Okay, repliquei me dando conta que já tinha atravessado a porta. Claro que passo.

E eu que tinha tudo pra terminar o dia com uma canção dos Stones passei na primeira locadora e aluguei o filme mais água-com-açúcar que tinha na sessão dos filmes mais água-com-açúcar. Aquela comédia romântica boba que o casal se esbarra casualmente entrando num táxi na Time Square. É segunda feira e apesar disso ainda não parei de sorrir que nem um tonto pras pessoas apressadas que passam por mim. É segunda feira e o dia em que eu percebi que ainda amo aquela garota que ficava sentada no portão me esperando chegar.

Assovio alguma coisa do Michael Buble enquanto penso nela "...and in this crazy life, and through these crazy times, it's you, you make me sing" e tudo fica mais claro quando passeio meus pensamentos em seus cabelos pretos. Eu sigo por uma calçada que me leva insistentemente a lembrar do nosso amor infinito e tortuoso, das nossas mãos inseparáveis e de tudo que ainda vive, sorridente, em mim.

Balanço a cabeça - como nunca havia percebido que o seu nome continua o mesmo quando colocado de cabeça pra baixo! Tantas coisas a se perceber, tantas coisas a se conhecer que quase não acredito que já se passaram onze anos dessa nossa estranha forma de se amar. Ainda me lembro do dia, daquele sábado, daquela festa que comemorava o dia dos namorados na data errada. Oito de junho de dois mil e dois e nós dois, dois satélites fora de órbita, nossos mundos particulares se encontrando, ainda que sem jeito, formando nosso próprio sistema solar.

Eu te amo e você sabe. E eu vou passar aí depois e sempre. Eu, se pudesse, não sairia daí, perto de você. Eu que já fui e voltei, eu que sempre te amei. Eu que quero estar do seu lado nas noites mais chuvosas e nos dias mais quentes de verão. Eu que quero casar com você. Eu que estou aqui já morrendo de saudade. Eu que não canso de amar você, entender você, aceitar você. Eu que passo sempre que você quiser só pra te dizer te amo. Coisa que você já sabe.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Se acaso



Hoje amanheci o dia com o pensamento fervoroso de que sentimento é bicho bobo. Que sentimento é coisa de menino que fica pulando pra lá e pra cá no elevador só pra assustar as pessoas que seguem subindo pra alguma autarquia sem a menor graça. E o amor é o menino, o elevador e o claustrofóbico. Hoje eu acordei sem mais e, de repente, tudo fez sentido: a noite de ontem com seus martinis inimagináveis e a solidão que agora me basta.

Amanheci pensando, quase que ainda vivendo, na noite passada. Eu acho até que bem mais tranquilo e menos implicante no que diz respeito a essa coisinha engraçada que nos forçamos tanto a entender, explicar e viver. Vai ver que tudo acontece mesmo por acaso. Vai que esse foi só mais um acaso. Quantas vezes ainda temos que renegar o óbvio ululante que aparece quase todos os dias bem na ponta do nosso nariz mestiço? Hoje amanheci pensando em você do jeito mais Kundera o possível, em sua insustentável leveza de acreditar na possibilidade de um instante.

Me pego agora imaginando que posso tentar, quem sabe numa outra frase feita, ser menos panfletário e blasé mas, aceitar que a casualidade da vida é a própria vida é o que se passa de mais criativo neste presente momento em minha cabeça. Me pego pensando em você e em tudo que pode estar acontecendo em Budapeste ou pelas vielas segredosas de Praga. Quem estaria se esbarrando pela w3 enquanto acordo e penso em você? Penso aliás no que seria mais bonito do que dois adolescentes que se conhecem quando cruzam ao contrário a mesma calçada a caminho da escola.

Ontem, quando me perguntou o que eu escrevia naquele guardanapo com aqueles olhinhos mais lindos de quem já passou da conta e precisa conversar urgentemente com algum estranho sentado num buteco às duas da manhã, me veio por acaso o pensamento de que algo bem bacana poderia estar acontecendo ali, assim do nada. Eu rabiscando meus poemas, você sussurrando alguma bobagem pro garçom, nossas vidas se entregando à linguagem coloquial da história.

Hoje amanheci o dia me lembrando que você existia e que de repente eu também passei a existir pra você. O sentimento menino faz estripulias enquanto alguém pede ao assessorista que ele aperte o botão do último andar. Não sei se vai dar certo, bem como não tenho a menor ideia se vai dar errado, hoje eu só quero que essa incerteza me mantenha vivo e presente. O resto a gente deixa no elevador.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Esta não é mais uma carta de amor.



Sabe de uma coisa, não sei como começar. Isso pode parecer meio clichê pra você que já começou tantas histórias de amor, colocou tantos pontos finais, mas acontece que agora é sério, agora é de mim pra você, deste cara bobo, aflito e dono de um corcel setenta e oito. Não sei mesmo. Pensei no tradicional "era uma vez" e não me pareceu o melhor jeito de iniciar esta carta, já que não "era", muito menos "uma vez". Já era de vez. De qualquer forma, lá vou eu.

Pois bem, não consigo parar de pensar em você, de como surgiu na minha vida e em coisas do tipo. Bobagens. E sigo pensando em como seria se você estivesse aqui, lendo sobre meus ombros, enquanto escrevo. Pensando em nós dois, a caminho de algum lugar, em nosso corcel marrom. Penso em cabelos loiros voando com o vento que entra pela janela. Penso em Ray-Ban numa viagem durante uma manhã ensolarada. Penso em você vestida de noiva. Penso em filhos. Penso em tudo. Mas só penso em você.

Devo também confessar que eu senti ciúme. Muito. Mas é necessário dizer que foi por isso que eu decidi  lhe escrever esta carta. Você precisa saber que eu nunca, nunca mesmo, me desnudaria ao melodrama romântico do amor - já que filmes assim não combinam com minha personalidade áspera de Glauber Rocha - se acaso eu não tivesse visto você aos beijos, frenética, com um sei-lá-deus-quem, bem do meu lado, na fatídica noite em que me apaixonei.

Eu, querida, logo eu! Eu que já estive ao seu lado nas noites mais malucas e nada. Eu que já lhe vi abraçada em outros corpos e nada. Eu que sempre fui um cara legal pra você, mas só. E olha agora pra mim, perdidamente apaixonado, escrevendo cartinhas de amor como na quarta série, esperando que você leia. Pode ficar tranquila, não vou ficar aqui desejando que você venha agora, em prantos, pra dizer que também sente o mesmo, não. Eu sei que você tá feliz com esse cara e eu espero verdadeiramente que continue sempre assim, pois, mesmo que isso me doa um pouquinho, vai passar. 

Pode ser que eu seja só mais um cara caído de amores colocando um papel importante na sua caixa de correio, eu sou assim, fazer o quê? Só quero que você saiba que eu sempre estarei aqui para o que der e vier e espero que você entenda os motivos dessa declaração repentina todo dia ao se olhar no espelho. Linda. Por dentro e por fora. E é isso.

Um beijo. 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Nervosismo.



Antes de tudo é necessário entender o que está passando: ele está na sala, mais especificamente na sala do apartamento do pai dela, sentado à mesa, esperando uma deixa pra comunicar aos presentes que iria se casar. Isso, se casar. Se casar com a pequena e amada filha dele. Um homem de um metro e setenta e pouco num confronto bíblico com um cara de sei lá quantos metros de altura, em território inimigo, como arma apenas o subjetivo, o simples e subjetivo euaamoporissovamosnoscasar. Parecia mais fácil nos filmes em que o casal pula a parte do pedido, a parte dos gastos com buffet e a procura interminável por alguém que faça docinhos decentes. Mas ele estava ali, precisava ser forte, suar menos, gaguejar menos e falar menos de coisas absolutamente fora do assunto. Ela abre um vinho, ele se levanta e se esforça pra não deixar transparecer o cagaço que estava sentido quando, enfim, começou:

- Bom, todos aqui sabem que eu e a Lisa nos conhecemos há um bom tempo...

Pensou usar alguma coisa que servisse de gancho para incluir emocionalmente seu futuro sogro nesta empreitada.

- Nossas famílias se conhecem ligeiramente bem e eu e o seu Oswaldo torcemos pro mesmo time. Portanto, hoje...

O suor encobria seu rosto avermelhado de vergonha e ele decidiu terminar logo com aquilo.

- Eu estou aqui pra pedir a mão da Elisa em casamento!

Todos se entreolharam constrangedoramente. Sua baguilha estava totalmente aberta e deixando transparecer a cueca vermelha da sorte. Corrigido o improviso, Lisa levantou-se e o beijou como que apoiando-o pra que tudo saísse à maneira que ela sempre sonhou. A mãe suspirava. Os avós, sorrindo, o chamaram de netinho. A moça que trabalhava na casa fez cara de desaprovação, ela sempre admirou os modos da família e não conseguia entender como aquele menino que, assim como ela, não tinha muito dinheiro, poderia se casar com uma moça tão bem nascida e criada!

Passado o desconforto inicial e com a certeza de que daria certo vinda das caras e abraços de quase todo mundo, notou com certa estranheza a ausência repentina do pai italiano brutamonte de Elisa. Procurou-o no quarto, certificou-se que ele não estaria esmurrando a porta do banheiro e não o encontrou na cozinha. Passou pelo corredor e viu a luz acesa pela porta entreaberta no quarto da noiva. Entrou e viu o sogro sentado na cama. Chamou-o com certo receio - afinal de contas, não sabia qual seria sua reação. Seu Oswaldo no entanto vira-se sorridente:

- Aqui, enfim, voltará a ser o que era. Minha sala de jogos.

Então acendeu um charuto e fumou tranquilo enquanto media cada centímetro daquele cômodo que voltaria a ser seu paraíso. Alberto voltou pra sala e abraçou sem medo a mulher da sua vida.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Fonema.



Insensatez. Palavra boba. Poderia dizer o que significa pelo dicionário, mas eu não ligo. Dez letras de um sorvete no parque de diversões às duas e meia da madrugada. Dez letras de uma discussão que não leva a nada. Causa de demoradas gargalhadas. Efeito de uma solidão à dois, insustentável. Olhou pra ela e não disse coisa alguma.

Palavra boba. Insensatez. Dez letras e ela está tão confusa. Talvez fosse março, talvez abril, talvez até chovesse a cada vez que alguém lhe permitisse. Pra ele alguém bate na porta. Silêncio. Quem não se pergunta: o que é?. Talvez um convite, talvez um esporro. Desculpa, enfim ela diz, eu sou assim.

Insensatez. Ele questiona o por quê. Ela só responde que não sabe. Hiato, abismo, distância. Loucura, surpresa, momento. E quem espera tudo do mesmo jeito a isto não se aplica. Dez letras. Outras mesmas dez formariam felicidade. Esperança. Sabedoria. Ela pede um tempo pra se explicar. De um jeito ou de outro todos querem ficar. Ao tempo se soma o desejo da descoberta. E ele fez que sim com a cabeça.

Dez letras. Insensatez. Palavra boba. Coisa de quem ama. Coisa de quem quer saber do outro sempre mais alguma coisa. Uma bobagem santa de quem quer arranjar uma maneira de ficar sempre um pouquinho junto a mais.

Marcou a página. Fechou o livro e pôs-se a pensar.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Contando as horas.



Silencia os pensamentos por um minuto. Lhe parecia meio inútil remoer aquelas coisas no único momento de  descanso que sobrava no longo dia de trabalho. Afinal de contas, era e era. Não havia mais o que discutir. Isso era de fato um dos raros casos em que o tempo se permite ser menos cruel e mais flexível, um caso extremo de leniência voluntária das horas, dos minutos e segundos em que houvera a auto permissão de atuar como objeto e não mais sujeito da ação. Não ligaria mais. Não dirigiria mais não sei quantas horas pra bater às duas da manhã na sua porta. Estava decidido.

Foi quando de repente seu telefone tocou, na noite anterior. A voz era inconfundível, pontuada, as palavras cuidadosamente escolhidas. Pediu alguns instantes de atenção e foi, pouco a pouco, se fazendo entender. Ela estava de volta, talvez em definitivo, e queria o ver. Ele, apesar de alguma relutância, consentiu por curiosidade de saber como estaria aquela que foi sua pedra fundamental, marco no meio do nada, coisa que talvez tivesse alguma significância um dia. E foi, sem pressa, fumando seu cigarro, até o bar onde ela estaria. E foi pensando na roupa que ela estaria usando, seria um dos seus costumeiros vestidinhos florais? E foi pensando no que aquela mulher que um dia fodeu com sua vida teria para lhe falar com tanta urgência.

O ambiente tinha um ar de filme B, de coisa feita pela metade, insistentemente forjado pra parecer feio, sujo e, por que não, lugar de encontro de ex-casais temerários com alguma coisa pungente a ser desmistificada. Ao avistá-lo de longe teve a impressão de que Hichcock apareceria a qualquer momento, de relance, pedindo um Cointreau recostado no balcão, como se fosse uma história sua. Entrou. Algumas putas o olharam presunçosas, cafetões e apontadores do jogo do bicho se revezavam na mesa de sinuca. Sentou na calçada, de frente para a rua, e pediu um chopp ao primeiro que lhe pareceu um garçom. Ela disse que já estaria lá quando chegasse. Ele já a conhecia bem, cumprir horários não era bem o seu forte.

Um ônibus parou. Ela desceu. A mesma. Seu jeito insuportável de sorrir mexendo nos cabelos caramelos. A mesma. Mas de calça jeans, salto e jaquetinha. A mesma. O olhou ainda de uma certa distância e disse em alto e bom som: Santinho! Meus olhinhos comedores, que saudade! E ele se constrangeu. Ficou observando aquelas moças da vida reparando naquele encontro como algo mais deplorável do que o que elas próprias faziam na calada dos becos. A abraçou ainda envergonhado, porém ninguém mais se importava com aqueles dois desconhecidos afetuosos. Senta aí, ele disse. 

Pediram mais um copo, riram timidamente um pro outro até que ela estufou o peito, tomando ar como se fosse explodir, e exclamou: Vamos nos casar. Ele meio sem entender aquilo, sem entender por que ela o chamou naquela altura da noite, naquela altura dos acontecimentos pra dizer que estava noiva de alguém, talvez o primeiro que tenha passado no instante em que virou as costas, enlouqueceu, quando, despindo seus sentidos, ela continuou: Eu e você. Nós vamos nos casar. Santinho bebeu um gole pesado, acendeu outro cigarro e sorriu debilmente. Não poderia deixar transparecer seu nervosismo em não saber o que fazer; talvez quisesse pagar a conta e ir embora ou, talvez, lá no fundo, deveria acreditar naquela conversa onírica e consentir com um beijo demorado. 

- E aí, o que acha de a gente ir agora pro seu apartamento e passar logo pra lua de mel?

Agora ela estava lá, deitada em sua cama de solteirão, assistindo televisão. Agora não há mais o que fazer. Nem o que pensar. Santinho terminou seu almoço e voltou sorrindo pro trabalho. O tempo não se deixa levar, como o bobo é levado pelo esperto, como o galho pela chuva, apenas pelo seu bel prazer de esquecê-la. Não se abrem fendas nas horas. Nem se resignam os minutos. Quando é pra ser, será. Essa  é a lição do calendário.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Roberta K.




Vou guardar o seu sorriso dentro do meu pote de coisas mágicas. O sorriso que você dá, timidamente, lindamente, perfeitamente, tampando o rosto, levando a mão à boca, como se mastigando algo secreto; a felicidade, talvez. Degustando cada nota disso que a gente chama, ainda que de maneira ingênua, de especial. Por isso o guardarei no meu lugar mais genuíno, mais idôneo, dentro do meu pote de coisas mágicas.

Você pode enfim me perguntar o que mais eu guardo, por que guardo ou pra quê guardo essas sentimentalidades todas nesse pote que fica sobre minha mesinha de cabeceira. O fato é que eu também não sei e talvez venha da particularidade de não saber, esse sabor terroir. Veja (ou sinta) o caso do Romanée-Conti: duvido muito que haja técnica mais avançada que o clima, o amor e um cantinho tranquilo pra fazer deste vinho raro e desejado um espetáculo único de harmonia. Assim eu faço com seu sorriso, dentro do meu pote de coisas mágicas harmonizando com chocolates, flores e Here Comes the Sun.

Falando nisso, a gente tem que conversar mais sobre discos, chatices e você tem que vir aqui buscar o livro do Bukowski que te emprestei e que você esqueceu no carro. Ou eu vou aí, você é quem sabe. A gente se dá bem. A gente se dá bem e as pessoas ficam olhando, confusas, nossas ideias confusas querendo tirar uma lasquinha das coisas malucas que arrancam o seu sorriso bobo. Sim, este mesmo sorriso que vou guardar pra quando você estiver longe.

Longe, lá longe, pra onde você vai distribuir desmedidamente meu tesouro do pote, não demore. Volte sempre que puder e quiser. Aqui sempre vai ter um barzinho te esperando, amigos te chamando, infindáveis copos cheios e terá eu. Eu que, mesmo distante, estarei te aguardando e guardando sobre a mesinha de cabeceira. No lugar das coisas mágicas.