segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Esta não é mais uma carta de amor.



Sabe de uma coisa, não sei como começar. Isso pode parecer meio clichê pra você que já começou tantas histórias de amor, colocou tantos pontos finais, mas acontece que agora é sério, agora é de mim pra você, deste cara bobo, aflito e dono de um corcel setenta e oito. Não sei mesmo. Pensei no tradicional "era uma vez" e não me pareceu o melhor jeito de iniciar esta carta, já que não "era", muito menos "uma vez". Já era de vez. De qualquer forma, lá vou eu.

Pois bem, não consigo parar de pensar em você, de como surgiu na minha vida e em coisas do tipo. Bobagens. E sigo pensando em como seria se você estivesse aqui, lendo sobre meus ombros, enquanto escrevo. Pensando em nós dois, a caminho de algum lugar, em nosso corcel marrom. Penso em cabelos loiros voando com o vento que entra pela janela. Penso em Ray-Ban numa viagem durante uma manhã ensolarada. Penso em você vestida de noiva. Penso em filhos. Penso em tudo. Mas só penso em você.

Devo também confessar que eu senti ciúme. Muito. Mas é necessário dizer que foi por isso que eu decidi  lhe escrever esta carta. Você precisa saber que eu nunca, nunca mesmo, me desnudaria ao melodrama romântico do amor - já que filmes assim não combinam com minha personalidade áspera de Glauber Rocha - se acaso eu não tivesse visto você aos beijos, frenética, com um sei-lá-deus-quem, bem do meu lado, na fatídica noite em que me apaixonei.

Eu, querida, logo eu! Eu que já estive ao seu lado nas noites mais malucas e nada. Eu que já lhe vi abraçada em outros corpos e nada. Eu que sempre fui um cara legal pra você, mas só. E olha agora pra mim, perdidamente apaixonado, escrevendo cartinhas de amor como na quarta série, esperando que você leia. Pode ficar tranquila, não vou ficar aqui desejando que você venha agora, em prantos, pra dizer que também sente o mesmo, não. Eu sei que você tá feliz com esse cara e eu espero verdadeiramente que continue sempre assim, pois, mesmo que isso me doa um pouquinho, vai passar. 

Pode ser que eu seja só mais um cara caído de amores colocando um papel importante na sua caixa de correio, eu sou assim, fazer o quê? Só quero que você saiba que eu sempre estarei aqui para o que der e vier e espero que você entenda os motivos dessa declaração repentina todo dia ao se olhar no espelho. Linda. Por dentro e por fora. E é isso.

Um beijo. 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Nervosismo.



Antes de tudo é necessário entender o que está passando: ele está na sala, mais especificamente na sala do apartamento do pai dela, sentado à mesa, esperando uma deixa pra comunicar aos presentes que iria se casar. Isso, se casar. Se casar com a pequena e amada filha dele. Um homem de um metro e setenta e pouco num confronto bíblico com um cara de sei lá quantos metros de altura, em território inimigo, como arma apenas o subjetivo, o simples e subjetivo euaamoporissovamosnoscasar. Parecia mais fácil nos filmes em que o casal pula a parte do pedido, a parte dos gastos com buffet e a procura interminável por alguém que faça docinhos decentes. Mas ele estava ali, precisava ser forte, suar menos, gaguejar menos e falar menos de coisas absolutamente fora do assunto. Ela abre um vinho, ele se levanta e se esforça pra não deixar transparecer o cagaço que estava sentido quando, enfim, começou:

- Bom, todos aqui sabem que eu e a Lisa nos conhecemos há um bom tempo...

Pensou usar alguma coisa que servisse de gancho para incluir emocionalmente seu futuro sogro nesta empreitada.

- Nossas famílias se conhecem ligeiramente bem e eu e o seu Oswaldo torcemos pro mesmo time. Portanto, hoje...

O suor encobria seu rosto avermelhado de vergonha e ele decidiu terminar logo com aquilo.

- Eu estou aqui pra pedir a mão da Elisa em casamento!

Todos se entreolharam constrangedoramente. Sua baguilha estava totalmente aberta e deixando transparecer a cueca vermelha da sorte. Corrigido o improviso, Lisa levantou-se e o beijou como que apoiando-o pra que tudo saísse à maneira que ela sempre sonhou. A mãe suspirava. Os avós, sorrindo, o chamaram de netinho. A moça que trabalhava na casa fez cara de desaprovação, ela sempre admirou os modos da família e não conseguia entender como aquele menino que, assim como ela, não tinha muito dinheiro, poderia se casar com uma moça tão bem nascida e criada!

Passado o desconforto inicial e com a certeza de que daria certo vinda das caras e abraços de quase todo mundo, notou com certa estranheza a ausência repentina do pai italiano brutamonte de Elisa. Procurou-o no quarto, certificou-se que ele não estaria esmurrando a porta do banheiro e não o encontrou na cozinha. Passou pelo corredor e viu a luz acesa pela porta entreaberta no quarto da noiva. Entrou e viu o sogro sentado na cama. Chamou-o com certo receio - afinal de contas, não sabia qual seria sua reação. Seu Oswaldo no entanto vira-se sorridente:

- Aqui, enfim, voltará a ser o que era. Minha sala de jogos.

Então acendeu um charuto e fumou tranquilo enquanto media cada centímetro daquele cômodo que voltaria a ser seu paraíso. Alberto voltou pra sala e abraçou sem medo a mulher da sua vida.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Fonema.



Insensatez. Palavra boba. Poderia dizer o que significa pelo dicionário, mas eu não ligo. Dez letras de um sorvete no parque de diversões às duas e meia da madrugada. Dez letras de uma discussão que não leva a nada. Causa de demoradas gargalhadas. Efeito de uma solidão à dois, insustentável. Olhou pra ela e não disse coisa alguma.

Palavra boba. Insensatez. Dez letras e ela está tão confusa. Talvez fosse março, talvez abril, talvez até chovesse a cada vez que alguém lhe permitisse. Pra ele alguém bate na porta. Silêncio. Quem não se pergunta: o que é?. Talvez um convite, talvez um esporro. Desculpa, enfim ela diz, eu sou assim.

Insensatez. Ele questiona o por quê. Ela só responde que não sabe. Hiato, abismo, distância. Loucura, surpresa, momento. E quem espera tudo do mesmo jeito a isto não se aplica. Dez letras. Outras mesmas dez formariam felicidade. Esperança. Sabedoria. Ela pede um tempo pra se explicar. De um jeito ou de outro todos querem ficar. Ao tempo se soma o desejo da descoberta. E ele fez que sim com a cabeça.

Dez letras. Insensatez. Palavra boba. Coisa de quem ama. Coisa de quem quer saber do outro sempre mais alguma coisa. Uma bobagem santa de quem quer arranjar uma maneira de ficar sempre um pouquinho junto a mais.

Marcou a página. Fechou o livro e pôs-se a pensar.