quarta-feira, 20 de março de 2013

Cartão postal.



Ali, bem perto, tinha uma esquina. Uma árvore frondosa avançava o sinal logo ao lado. Antes um pouco, um  boteco e era ali que a gente se encontrava quase sem querer nas noites de quinta feira. Quinta feira por que parecia casual. Quinta feira por que era o dia em que ela saía mais cedo da faculdade. Quinta feira por que eu estava lá todos os dias da semana. E sempre a gente acabava numa discussão inútil e interminável que nunca chegava em uma conclusão decente. A gente era, olhando agora, bem clichê. Dois jovens que insistiam ingenuamente em fugir do cotidiano mainstream, algumas cervejas e bem pouca certeza de tudo.

Eu soube há alguns dias que essa garota casou, mudou pra Londres com seu marido de viés mulçumano e faz brigadeiros pra ganhar um extra enquanto não está se descabelando com as crianças. Bem louco isso. E olha só: deixou de ter a chaga insuportável e demodê de querer parecer sempre uma intelectualzinha de merda. Dizem que eu também mudei, que engordei, que fiquei calvo do lado esquerdo - algo que já era bastante previsível naquela época - e hoje só declamo poesia aos passarinhos. Longe daquele cara que também insistia em ser um pseudo-cult-que-fingia-gostar-de-cinema-iraniano.

Falo de tudo isso por que hoje, ao encontrar um livro do Kerouac, eu me lembrei, naquele sem querer esperado que nos era tão peculiar, de uma discussão homérica que travamos numa dessas inesquecíveis noites de quinta feira. Você me dizia como foi importante a contribuição da guerra, da crise econômica, da lei seca e de como toda essa caralhada de coisas e suas recém aberturas a novas outras caralhadas para a construção de uma literatura ácida, pertinente e subversiva como foi a beatnik. Eu, que sempre achei esses caras bem legais, mas não tão importantes assim, emendei na conversa todo o manifesto antropofágico do modernismo tupiniquim e exemplifiquei, não sem muita viagem na maionese, o valor desse movimento que revolucionou o pensamento literário brasileiro. Como sempre, alguém chegou, atravessou a conversa e traçou um paralelo interessantíssimo sobre as duas correntes estilísticas fazendo com que saísse uma babinha indiscreta no canto da boca de todos os presentes. Se eu estivesse sóbrio, com certeza, faria melhor. 

O fato é que eu senti saudade. Saudade de ouvi-la me dizer eufórica que Caio Fernando Abreu é muito mais que essa castração do facebook. Saudade da sua mente insubordinada. Saudade de como isso tudo me fazia um bem imenso. Talvez eu até a amasse. Talvez. Pode ser até que ela hoje, de repente, olhando pro Tâmisa e fazendo suas meditações transcendentais também esteja pensando em mim. E eu desejo toda sorte na vida, saúde pra ela, pros filhos e pro cara de turbante. Sorte também com os brigadeiros e com essa nova maneira de encarar a coisas. 

Não vou escrever um e-mail cheio de emoticons e nem muito menos espero um postal do castelo de Windsor, apenas queria que ela soubesse que estou aqui, sob a sombra da memorável mangueira, no bar antes da esquina tomando uma por ela e pela vida. Saúde.


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