sexta-feira, 8 de março de 2013

Se acaso



Hoje amanheci o dia com o pensamento fervoroso de que sentimento é bicho bobo. Que sentimento é coisa de menino que fica pulando pra lá e pra cá no elevador só pra assustar as pessoas que seguem subindo pra alguma autarquia sem a menor graça. E o amor é o menino, o elevador e o claustrofóbico. Hoje eu acordei sem mais e, de repente, tudo fez sentido: a noite de ontem com seus martinis inimagináveis e a solidão que agora me basta.

Amanheci pensando, quase que ainda vivendo, na noite passada. Eu acho até que bem mais tranquilo e menos implicante no que diz respeito a essa coisinha engraçada que nos forçamos tanto a entender, explicar e viver. Vai ver que tudo acontece mesmo por acaso. Vai que esse foi só mais um acaso. Quantas vezes ainda temos que renegar o óbvio ululante que aparece quase todos os dias bem na ponta do nosso nariz mestiço? Hoje amanheci pensando em você do jeito mais Kundera o possível, em sua insustentável leveza de acreditar na possibilidade de um instante.

Me pego agora imaginando que posso tentar, quem sabe numa outra frase feita, ser menos panfletário e blasé mas, aceitar que a casualidade da vida é a própria vida é o que se passa de mais criativo neste presente momento em minha cabeça. Me pego pensando em você e em tudo que pode estar acontecendo em Budapeste ou pelas vielas segredosas de Praga. Quem estaria se esbarrando pela w3 enquanto acordo e penso em você? Penso aliás no que seria mais bonito do que dois adolescentes que se conhecem quando cruzam ao contrário a mesma calçada a caminho da escola.

Ontem, quando me perguntou o que eu escrevia naquele guardanapo com aqueles olhinhos mais lindos de quem já passou da conta e precisa conversar urgentemente com algum estranho sentado num buteco às duas da manhã, me veio por acaso o pensamento de que algo bem bacana poderia estar acontecendo ali, assim do nada. Eu rabiscando meus poemas, você sussurrando alguma bobagem pro garçom, nossas vidas se entregando à linguagem coloquial da história.

Hoje amanheci o dia me lembrando que você existia e que de repente eu também passei a existir pra você. O sentimento menino faz estripulias enquanto alguém pede ao assessorista que ele aperte o botão do último andar. Não sei se vai dar certo, bem como não tenho a menor ideia se vai dar errado, hoje eu só quero que essa incerteza me mantenha vivo e presente. O resto a gente deixa no elevador.

2 comentários:

  1. Esplêndido! Como sempre, qualquer qualidade boa exposta aqui tornaria-se clichê perante tua engenhosidade que supera o simples, o esperado...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fico tão feliz quando aparece por aqui!

      Muito obrigado! Você sabe o quanto seu parecer é importante pra mim, Roberta K.!

      Beijão!

      Excluir