sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Retrovisor, loiras tequileiras e um amor que se basta.



Difícil era não ter no semblante a chaga de você entrando no portão, olhando de relance eu sumir pela esquina. Carros tem retrovisores para que se observe seu amor entrar em casa fingindo que não parou uma última vez para te desejar boa sorte, vai com Deus. Acreditar no impossível segundo em que eu deveria ter segurado sua mão e pedido pra ficar só mais um pouco é o que me mantém imerso neste oceano bobo. Aconteceu, de certa forma, o que estava escrito que iria acontecer - um beijo tímido nas suas bochechas cor de rosa, foi legal, a gente se vê. Mas você sabe o que eu queria mesmo, como também sei o que você desejava em seu universo particular. Sempre existe uma outra vez e é nisso que me apego para não ligar pra você esta noite. Sempre existe uma outra vez para que finalmente nossas direções se encontrem, uma outra vez para que eu desista de falar descontroladamente amenidades e vá direto ao ponto, ei, mocinha, fica um pouco mais que eu vou te contar um segredo... e só. Não deve doer. Ser homem o suficiente pra dizer coisas que demonstrem certa credibilidade para um definitivo beijo de boa noite. Eu posso fazer isso.

A noite terminou com um sorriso tétrico: voltando pra casa ouvindo uma música eletrônica que eu não sei o nome e sentindo uma falta imensa do que tinha acabado de acontecer. Você não sabe o quanto de saudade cabe no coração de quem tem inveja até dos bem-te-vis que são mais rápidos que eu e vão te acordar de manhã com aquela cantoria cínica. Havia plantado sem a menor vergonha na cara a semente que, se você aguar direitinho, vai florescer como florescem em algum lugar os lírios que encomendei pra te dar de presente quando nos vermos novamente. E eu vou abrir a porta do carro também. E vou parecer um bocó talvez, não importa. Quando eu te ver de novo eu quero fazer tudo como manda o figurino pra noite acabar ainda melhor do que acabou hoje, compro até fogos de artifício se for necessário. Tudo que for preciso para assistir de novo o espetáculo do seu sorriso, este sorriso que me basta e que, paradoxalmente, me faz querer ainda mais.

Dormir e acordar com a sua onipresença despertando minha memória, encontrar até nas embalagens sedutoras de alvejante a sua silhueta e procurar nos classificados uma casa espaçosa que caiba com conforto o nosso futuro compuseram discretamente meu script semanal. Além de umas horas de trabalho e algumas cervejas, é claro. Também não pude começar ou terminar qualquer que fosse a conversa sem que seu nome aparecesse como um comercial das Casas Bahia durante o intervalo do filme preferido, como uma planta que quebrou o vaso e parece que já criou raízes no meio da sala e não há maneiras de tirá-la dali. E foi assim, como se a vida fosse não mais que um emoticon sorridente, que se passaram não sei quantos dias de borboletas no estômago, de mãos atrevidas procurando um telefone pra alcançar o macio constante das suas cordas vocais.

Aperfeiçoo minha sapiência em biologia explicando meu amor autótrofo; ele se consome e se basta. Não se intimida ao menor perigo de não ter o outro. Tem em suas entranhas o alimento necessário pra sobreviver o tempo que for preciso pra ouvir nem que seja o som do bipe do celular quando não quer me atender. E ele, esse amor que pinica, estará com você também. Na fila do banco uma senhora comentará com outra sobre as peripécias amorosas de sua mocidade - e você vai se lembrar de mim. O sujeito que embala seus sorvetes de flocos no supermercado fará uma piada sem graça sobre portugueses no aeroporto - e você vai se lembrar de mim. Prestes a chegar em casa, na calçada onde por vezes conversamos, ali também você vai se lembrar de mim. E eu, sem nem mesmo estar ali, serei uma risada descompromissada de quem se lembrou de algo por acaso e ficou muito grata por essa faísca de lembrança acender o sol do seu dia. Essa auto suficiência sentimental é o que me permite ficar em casa, por horas e horas, sem esboçar nem um traço de amargura por não tê-la comigo, olhando suas fotos na internet.

Não sei quando voltarei a ter ver e isso incomoda um pouco, eu admito. Gostaria que fosse agora, que você me mandasse um torpedo dizendo que não aguenta mais de tanta ansiedade de me ver falando tudo isso ao vivo e a cores mas, se não for pra ser neste instante, okay, pra mim tá ótimo. Apenas queria que você soubesse que em mim, apesar do que dizem, é verdade. Prometo não decepcionar esta ausência na presença de abraços que não sejam os seus e não medir esforços para atar-me ao nó que me prende do mundo de loiras tequileiras e morenas de salto quinze. Serei seu enquanto houver estoque de amor na minha dispensa. Mesmo que isso pra você seja bobagem. Mesmo que pra mim seja difícil apagar do semblante a chaga do seu sorriso ao entrar no portão.

 

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