terça-feira, 19 de agosto de 2014

Savoir Faire


Ele queria encontrar um amor de verdade. Esse seria seu passo inicial; bom, o segundo seria amá-la a vida inteirinha. Sem que seus amigos achassem isso uma boiolice incontrolável. Sem que ele tivesse medo de se decepcionar mais uma vez. Sem que ele tivesse que dizer pra ela deixar a chave do tapete se a intenção fosse nunca mais voltar. Não era assim tão complicado, nada que uma boa festa, um cabelo maneiro e umas três doses de tequila não pudessem resolver. Ele chegaria no balcão como um ator pornô francês e diria algumas palavras em seu ouvido e bam: nasceria ali um amor eterno e verdadeiro. Mas acontece que ele não bebe tequila e nem tem um cabelo assim tão legal. Droga, parecia tão óbvio!

Ela tava assim, por assim dizer, de boa. Não tinha mais tanta pretensão de encontrar um cara montado em um cavalo branco que quisesse levá-la pro baile da primavera. Suas amigas a preenchiam como um chiclete no buraco do radiador. De qualquer forma, elas ajudavam. E mesmo que ela estivesse sempre vestida pra arrumar o boy do terceiro andar, andava preferindo voltar para o seu apartamento sozinha, abrir um vinho e assistir um filme do Godard. Mas havia algo que fazia falta naqueles olhinhos tão falsamente bem resolvidos. Talvez aquele cara de calça jeans e all star que a apoiasse quando fosse pintar as unhas de azul-bebê, um cara vestindo uma camiseta do Metallica que olhasse pra ela e dissesse com a maior calma do mundo você é linda, vai ficar tudo bem.

Essa não é uma história daquelas que duas pessoas solitárias se encontram, de repente, numa mesa de bar. Mas também não chega a ser um conto da Tati Bernardi onde quase tudo acaba mal. Um dia eles se esbarraram sem querer, como Eduardo e Mônica, numa festa estranha e com mais gente esquisita do que se pode imaginar. E começaram a falar perdidamente pela madrugada sobre cinema iraniano, Phillip Kotler e Cavaleiros do Zodíaco. Como se o mundo fosse acabar naquela noite se comeram com os olhos até o carinha do som botar pra tocar Take Your Time, do Fun, e fazer com que toda aquela timidez se transformasse em êxtase e vontade de sair por aí, só os dois, a desbravar o universo.

E assim eles se conheceram e não se desgrudaram mais. E naquela mesma noite ela foi morar com ele. E no outro dia foi a vez do Mario, o labrador caramelo, a se mudar. E Fun não parava de tocar. E ele também adorava Godard. E ela curtia muito quando ele dizia que tinha um certo Savoir Faire com o sotaque mais macarrônico que já tinha ouvido em toda a face da terra. Ele com seu all star desbotado e sua camiseta preta, ela com sua altivez e suas unhas azul-bebê. E as coisas acontecem assim: mesmo que ela não espere ou que os amigos dele o chamem de boiola pro resto da vida.


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