terça-feira, 16 de setembro de 2014

Bloco de notas.



E hoje eu já fiz quase tudo. Barba, ofício, poema. Mandei carta. Mandei flor. Hoje quase fiz uma canção de amor. Hoje eu já fiz quase tudo. Plantei em silêncio uma margarida e sorridente estourei uma bola de chiclete. Conversei com meus amigos, discuti milhões de bobagens e me sentei pra descansar. Hoje eu quase pedi sua atenção. E sim, hoje eu sorri.

Hoje eu já fiz quase tudo. Li o jornal de ontem e dei seu nome a um passarinho. Pedi passagem. Dei passagem. Senti o fluxo apressado do sangue do cotidiano enquanto tomava meu sorvete de flocos. Hoje eu quase parei. Assisti de pertinho a dor quem passa e percebi o quão longe as pessoas fingem estar do mundo. Dei a volta. E outra. Hoje eu quase fiquei tonto. E sim, hoje eu chorei.

E hoje eu já fiz quase tudo. Só não tenho ainda seu telefone. Pra ligar e dizer que te amo e hoje quase tudo fiz. Que me faltam espaços pra caber ainda mais do seu não-me-incomode-que-eu-mal-te-conheço. Que hoje eu senti uma falta doida de viver do seu lado como nunca senti. Que eu sai cantarolando seu nome por aí - Renata, Renata, Renata... Que hoje eu quase fui tudo olhando para uma foto sua.

Hoje eu já fiz quase tudo. Tatuagem e compromisso. Tratei de esperar o sol sair assistindo Telecurso 2000. E hoje eu quase corri. Fiz novos planos e alguém riu de mim. Dei bom dia. Virei a cara sem querer. Espero que a pessoa tenha tido a sensibilidade de perceber que eu estava escolhendo sapatos pra dar para o meu melhor amigo. É aniversário dele amanhã. Hoje eu só pensei em você. E hoje quase te comprei um Scarpin. Hoje eu já fiz quase tudo, falta pouco. Te amo.

Já fiz tudo que tinha pra hoje.


sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Palíndrome.



Tinha o doce anacrônico do que era velho e novo ao mesmo tempo. E dava pra ver em tudo aquela presença ausente, a foto, a lembrança, a alegoria fantasmagórica que Machado nos deixou como legado da sua própria lição de amor: o que ficou ainda existe ali. Não há como extirpar do tempo todo aquele gestual frágil que se insinuava naquela mesma hora da manhã.

É próprio do meu desejo errante cavalgar pela memória e encontrar alguns conhecidos caminhos já percorridos, é dele a sensação de estar sempre preso - se é que se pode algemar algo feito de tanta paixão e fúria - no momento exato em que cruzei com essa sua mania de ficar coçando o nariz até ele ficar vermelho. 

Se hoje procuro sentido, encontro muito mais em Bruno e Marrone do que em Peyrce e isso talvez me faça cair várias posições na cadeia alimentar dos pseudos intelectuais de buteco mas, dizer: ei, eu te amo, sim, EU TE AMO, em letras garrafais e pra todo mundo ouvir tem me feito um cara bem melhor, eu acho. De qualquer forma, fica a sensação do que foi dito, signo e significante, e não há nada mais puro do que essa semântica torta que eu mesmo escolhi.

Então eu escrevi uma canção que falava de nós dois. Uma música que diz sobre uma distância flexionada, Deus do céu, distanciamento. E me senti outra vez embaraçado por fazer tanta firula por algo que, pensando bem, tá bem lá pra trás. Ora bolas, pra que tanta lucidez, gostar de alguém é sempre assim: vergonha e vertigem. E encantamento. 


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Pequenos gestos de amor e mágoa.


Tenho pensado bastante em você e em como poderia ser diferente se você me ouvisse mais. Se, de repente, você tivesse ido àquela festa. Se gravasse minhas músicas na sua playlist. Ou não. Pensado se algum dia eu vou poder acordar mais cedo só pra te ver dormindo num domingo de manhã. O que poderia acontecer se a gente se encontrasse por aí quase por acaso. Eu elogiando seu novo corte de cabelo, você me dizendo que, na vida, tudo está como deve ser. Pensado bastante em você.

Tenho pensado em te chamar pra morar comigo, assim, do nada. Pensado como seriam nossos mundos se convergindo, se misturando e se transformando. Nossos filhos correndo pela casa. Nosso cachorro lambendo nossos joelhos. A gente se curando de todas as feridas que o passado deixou em nossos cotovelos, sorrisos e calcanhares. Tenho pensado em você como minha mulher e sou feliz mesmo assim, só pensando.

Tenho pensado em você me dizendo não só por que achou mais conveniente recusar meu convite para sair na sexta e, assim,  continuar vivendo uma vida que o destino não te escolheu. Pensado em você conhecendo um outro cara justo naquela noite que você resolveu mudar a rota pra não ir ao meu encontro. E este cara te amar ainda mais que eu e te dar tudo aquilo que prometo e muito mais. Tenho pensado em você sorrindo ao lado dele, caminhando de mãos dadas pelo shopping. Pensado que, se for pra você ser mais feliz, que assim seja.

Tenho pensado em não pensar nunca mais em você e desviar minha saudade para uma garrafa de vinho toda vez que eu me lembrar que aí, justo aí, sobre esta cadeira onde você está lendo isto agora existe a mulher que eu quero do meu lado o resto dos meus dias. Pensado em esquecer toda e qualquer lembrança que me venha a me trazer de volta o seu cheiro e tudo aquilo que anda me fazendo tão tristemente feliz. Tenho pensado em te tirar de mim. Mas como se já não sei mais separar o que é seu do que é meu neste infinito particular que criei só pra nós dois? Tenho pensado e, sem coragem, desisto.

Tenho pensado em gostar de você pra sempre. Em esperar, cada segundo da minha existência, o momento em que sentaremos pra conversar e eu te explicar tim tim por tim tim essa história maluca que é amar o que ainda existe de você em mim. Pensado em esticar as horas em que uma foto sua me aparece por acaso. Pensado em construir uma ponte de chocolate pra ligar essa nossa distância. Pensado em deixar tudo como está. Pra mim tá tudo bem. Pensado que o que você tem me feito foi uma das melhores coisas que já me aconteceram. Tenho pensado bastante em você.