sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Um para o outro.

Era a sua barba preferida. Mesmo que estivesse toda estranha pela manhã. Mesmo que estivesse curta. Mesmo que estivesse longa. Mesmo que a cara estivesse lisa como uma bunda de bebê. Era a sua barba preferida mesmo assim. Não adiantava ninguém lhe dizer que achava esquisito uma garota como você andar de mãos dadas com aquele sujeito. Aquela era a sua barba preferida e aquele sujeito era eu.

Era sua noite favorita. Bastava estar ao meu lado, fosse dançando loucamente Somebody Told Me, do The Killers, ou deitados no sofá assistindo um filme B no sábado à noite. Bastava estar tomando uma cerveja no copo de requeijão. Bastava estar conhecendo meus amigos mais inconvenientes. Era a sua noite favorita e disso você não abria mão. Quem lhe dissesse que tudo isso estava fora de contexto não vivia naquele planeta. Bastava um sorriso, um sorvete ou um café: era a sua noite favorita sempre que estava comigo.

Era a minha alergia predileta. Mesmo que eu precisasse aspirar trinta vezes minhas almofadas todos os dias. Ainda que eu não pudesse mostrar meus livros raros do Machado de Assis por que você passaria a noite espirrando letrinhas. Mesmo que camarão fosse banido do cardápio. Mesmo que sabonetes especiais custassem bem mais caro. Era a minha alergia preferida por que era sua e tudo que vem de você pra mim é lindo.

Era e acabou. Ou melhor, ainda é mas acabou. Tudo ainda vive aqui apesar dos pesares. Continuo deixando minha barba crescer e as noites ainda são como eram antes: preciosas e presentes como um abraço seu, distantes como seus braços agora estão de mim. Você provavelmente ainda é a mesma e espirra toda vez que encosta no travesseiro. Que saudade. Sem mais.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Dar-te.

Por todas as formas, cores e sorrisos que já provei - um azul mais brilhante, um vermelho quase ausente e algumas outras geometrias - eu deveria ter mesmo te encontrado aquela noite. Aquela noite que subia e você, com seu diadema de estrelas, me apareceu como aparecem flores no asfalto e me perguntou se eu queria beber alguma coisa. De toda aquela beleza delicada que se doava em algumas palavras eu só percebia aquilo que eu queria e continuo querendo ver: duas forças completamente antagônicas se atracando no mais belo espetáculo que se pode observar numa mulher: a austeridade e a altivez. Linda. Bom, eu quero dois chopes e uma porção de alguma coisa.

E se hoje me vejo ausente de mim, nesta história de abnegação, de deixar de ser você para ser o outro, não foi por pura displicência da minha parte. Eu acredito que amor é muito mais do que paixão; pra mim ele é compaixão. É sentir como se sente aquela outra pessoa. Um desapego voluntário de quem quer ver o outro bem. Sem mais. Eu gosto de você como uma criança passa a gostar de um passarinho e quer tê-lo sempre livre.

Assim, nessa loucura de pensamentos, eu fui me deixando por vontade, me entregando às verdades daquele balcão, entre as garrafas de muitas cores, entre os amigos de poucos amores, fazendo música da matéria prima que eu passei a chamar de solidão a dois. Da esperança cega de vê-la em meus braços, da delícia de desejá-la em liberdade e de tudo aquilo que eu sempre acreditei de coração. Fui todo seu por necessidade, até.

Agora eu vivo esperando aquele esmalte café com rebú me trazer de novo a alegria, contando os segundos pra poder me jogar neste infinito de sonhos que são seus olhos negros. Esperando aquela conversa de balcão que me embriaga mais que vodka. Já não sei quando volto. Mas volto.