quinta-feira, 26 de março de 2015

Encaixe.

E a solidão encontrou outra solidão e saíram, as duas, de mãos dadas. E o nó da saudade foi se afrouxando, se afrouxando até ninguém mais saber por que tinha parado ali. Não era destino, karma ou qualquer coisa do tipo, era a felicidade dando as caras como o sol depois da chuva. Dois pedaços diferentes do que parecia ser para sempre se encontrando numa esquina qualquer. Duas metades destruídas ensaiando a falta que todo jovem precisa ter. E foi lindo. Alguém tirou uma fotografia e todo mundo viu.

Aqueles olhos obnublados e aquele diadema de estrelas cadentes tinham em comum o pouco que lhes restava do muito que um dia já foram e encararam um ao outro, primeiramente, como o espelho convexo das próprias decepções, cada um contando suas histórias partidas, os medos, as madrugadas insones. E os sorrisos foram se compreendendo, as mãos se identificando até que alguém disse fica, não vá embora agora não.

Dali não tinha mais volta: quando se abre a porta para o inesperado é inútil aguardar o passado conhecido. Os abraços ficaram constantes, as risadas cada vez mais presentes e tudo foi se encaixando nos espaços vazios que existiam entre aqueles dois. Ele pedindo mais uma cerveja e falando agora das coisas que virão. Ela assistindo ele com aqueles olhinhos de quem acha que o mundo poderia acabar ali, naquele instante. E os ombros ficaram cada vez mais convidativos, as explicações cada vez mais inúteis e, como era de se esperar, alguma coisa aconteceu ali.

Não se desgrudavam mais. Ele ouvia cada letra do alfabeto dela e se sentia cada vez mais envolvido com aquele beabá recheado de histórias da infância, da vida difícil de estudante e de como foi divertido tê-lo conhecido. Ela fazia cara de boba e passava as mãos pelo cabelo toda vez que o via, sem rodeios, passear o olhar por seu corpo - era uma sensação nova essa de se perceber intensa e doadora, uma alegriazinha que crescia lá no fundo e explodia sem se perceber.

Não que eles tenham perdido totalmente o receio do adeus, afinal de contas, de tudo fica uma herança. Mas passeavam fingindo que aqueles balões coloridos e as borboletas serão para sempre, com os dedos entrelaçados para terem a segurança de que não vão se soltar por qualquer besteira a toa. Duas completudes que se encontraram do nada para se perder dentro daquilo que temiam: o amor aconteceu onde já não havia amor. Como a flor que nasce no asfalto simplesmente pelo fato de que deveria mesmo ser assim.



segunda-feira, 23 de março de 2015

Quando acaba.

Ela olhava pra ele dez, vinte, cem vezes por dia. Tinha arrepios só de pensar que, de repente, ele pudesse dizer em uma só palavra tudo aquilo que ela não queria ouvir. Pensava nele atendendo o telefone às três e meia da manhã, a voz de sono, falando que acabou. E sóbrio. Porque quando bêbadas, as pessoas sempre tem o direito de se enganar e seria completamente compreensível no dia seguinte ele se arrepender e pedir mil desculpas por aquela noite de embriaguez.

Mas acabou. Acabou, moça. Pra sempre. Todo aquele sono perdido foi por nada. Na verdade, é bem provável que nem tenha começado e os pés juntinhos debaixo do cobertor tenham sido somente algum delírio tropical. Nunca aconteceu, nunca foram ao parque de mãos dadas, nunca assistiram Satyricon e jamais sujaram o sofá com sorvete de flocos. Sua vida foi construída na tela do computador.

Talvez se ela tivesse coragem de pegar o telefone dele com aquela amiga do trabalho, talvez se esbarrasse com ele nas Lojas Americanas ou até mesmo mandado uma mensagem no Facebook, o mesmo Facebook que foi palco dos melhores sonhos da sua vida, ele pudesse dizer que também sentia o mesmo, que também já imprimiu uma foto sua e a colocou, despretensiosamente, debaixo do travesseiro, que a amava, assim, de longe. Mas não.

Acabou. Acabou, moço. Acabou quando ela pediu um mojito uma noite dessas e ele veio totalmente despido da saudade que insistia em provocar. Quando, de uma vez por todas, o excluiu de todas as redes sociais, de todos os planos e arrepios. Não foi por ninguém em especial, ela ainda admite que encontrar outro como ele vai ser bem difícil, foi por que foi. Como tem que ser.


É possível que ele nunca vá perceber a ausência daqueles olhos vidrados na sua foto de formatura e que aqueles olhinhos caramelos não vão mais chorar por ele. No mais, ele vai continuar publicando sua vocação pra sedutor com a mesma aptidão de sempre, só que agora com menos uma curtida. Por que agora, moço, ela está feliz e não há frase do Caio Fernando Abreu que a faça voltar atrás.

domingo, 8 de março de 2015

Miss Berigo.

Amanhã ou depois a gente esquece. Esquece que foi estranhíssimo duas pessoas se conhecerem assim. Esquece que duas pessoas tão iguais e, ao mesmo tempo, tão diferentes possam ter tido uma experiência mágica de se encontrarem e conversarem sobre qualquer bobagem até de manhã. Bom, eu vou esquecer, é fato. Mas isso não quer dizer que eu não possa deixar registrado o quanto isso foi importante pra mim pra eu poder lembrar dessa história quando tiver noventa anos.

Foi importante pra caralho por que eu andava meio perdido, buscando mais ter do que ser; sair com a mina mais bonita, pagar a conta de todo mundo e só falar de política. Importante por que eu me lembrei de quem eu era há dez anos atrás, daquele cara que se interessava por cinema e que via nas pequenas coisas a importância de se estar vivo.

Vou ser agradecido a você pelo resto da minha vida por me abrir os olhos para o essencial:estava mesmo sendo um retardado e você teve a coragem de dizer isso sem deixar escapar a delicadeza e a espiritualidade que eu aprendi a amar em você. Sei que pude mesmo ter confundido as coisas mas, você há de convir, quando a gente se depara com o infinito sempre dá vontade de se jogar.

Isso tudo é só pra dizer obrigado. Não são essas pequenezas que nos farão grandes. E se eu nunca mais tiver o privilégio de falar com você, fica aqui a minha gratidão. Um beijo.

quarta-feira, 4 de março de 2015

No bate-papo.



E no domingo ele acordou pensando. Já não fazia aquelas pequenas estripulias há tanto tempo que nem se lembrava mais o gosto de um sorriso bobo, desses que a gente dá sem perceber. E ele sorria pra tudo. Deu bom dia às grandes coisas e às pequenas também. Conversou em silêncio com as margaridas na janela, dançou valsa com a vassoura e decidiu , naquele azul salpicado de branco, nunca mais perder aquela loucura de se apaixonar pelos detalhes.

Naquela manhã ele pôde ver a linha traçada no meio de tudo: não foi por acaso e, se parece estranho a gente conhecer alguém às duas e meia da madrugada, imagina quem não tem coragem de se permitir; a velha rotina de sempre preenchendo os espaços e servindo de adereço para as noites de sábado, três doses de whisky, uma conversa amarga e solidão.

Ele gostou dela - até das mentirinhas bobas que ela contou quando começaram a se falar, pra ele, foram incríveis. O jeito que ela dizia: fica no ar isso, fica no ar aquilo, fizeram mesmo ele sair do chão. Poderiam se ver um dia, quem sabe tomar uma cerveja e bater um papo cara a cara, conhecer pessoalmente suas esperanças e delírios. Eram, definitivamente, parecidos demais.

Agora ele só quer sair por aí inventando passarinhos cantando na sacada, anunciando a felicidade no meio de tudo e contar esse segredo, vinte vezes por dia, na frente do espelho. Uma pequena receita que ele aprendeu por se deixar levar pelo amor escondido entre as linhas e pessoas. A ausência que faltava, pronta pra ser preenchida com a leveza das manhãs de domingo.