terça-feira, 14 de julho de 2015

Petit Delice.



"Para quem ama,
 não será a ausência a mais certa, 
a mais eficaz, a mais intensa, 
a mais indestrutível,
 a mais fiel das presenças?"
Marcel Proust

Coisinha linda que é você - disse sem reparar muito bem no cabelo e no português desarrumados. Já era quase uma da manhã e eu passava da décima caipirinha de saquê quando vi você passar com aquela mistura de delicadeza e inocência presa num frasco de um metro e sessenta e poucos. Meio tarde e eu já pra lá de Vladivostok resolvi as palavras da minha gramática mais sacana.

Cheio de savoir faire, fui me travestindo numa espécie de Alain Delon de butequim falando dos seus cabelos negros com a poética que só os melhores filósofos de zona conseguem alcançar. E você me disse seu nome - detalhe bobo que minha memória seletiva não consegue lembrar - quando eu já me encontrava perdido do seu lado dentro daquela madrugada imensa.

Foi se ajeitando em meu peito como um pássaro perdido reencontrando o velho ninho, matando o frio com cachaça, poemas russos e elogios ao pé do ouvido, se deixando levar pra casa por este rapaz cheio de frases feitas. Talvez eu tenha chegado na hora certa, como num filme esquisitão, antes da mocinha se jogar do décimo quinto andar. Talvez não.

Não pediu para eu subir nem perguntou se eu aceitaria um café bem forte. Me negou solenemente seu telefone e revelou baixinho talvez nunca mais voltar àquele bar. Disse pra eu não me lembrar mas deixou escapar que nunca iria esquecer enquanto rasgava uma página de Proust que carregava antes de dobrá-la  para colocar suavemente no bolso do meu paletó xadrez. Era isso. Beijou minha bochecha esquerda e partiu.

Hoje, petit delice, me lembrei de você sem que eu quisesse e você permitisse. Discutindo Maiakóvisk com uma outra moça parecidíssima em tudo contigo. Os olhos verdes e infinitos. O sorriso bobo e talvez até um pingente de golfinho como o que você usava o dia em que te conheci. O mesmo bar. Quase tudo sem você.

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